Titãs da História: heróis e vilões para todos os gostos
1874-1965
Ele mobilizou a língua inglesa e enviou-a para a batalha.
Presidente John F. Kennedy, ao conceder o título de cidadão honorário dos EUA a Winston Churchill (9 de abril de 1963)
Sir Winston Churchill foi um dos homens mais notáveis que governaram o povo britânico. Este líder extraordinário mobilizou a Grã-Bretanha na sua época mais sombria, quando a Europa estava dominada pela Alemanha de Hitler, e, contra todas as probabilidades, inspirou e organizou a ação britânica na guerra até alcançar a vitória. Após uma carreira meteórica durante a primeira metade do século XX como aventureiro autopromovido, jovem político arrogante, ministro maduro e, a seguir, profeta solitário do perigo nazi, e desempenhando quase todos os cargos importantes do governo, emergiu do isolamento e revelou-se um estadista magnífico, assim como escritor, historiador e orador. Churchill é considerado o herói nacional de Inglaterra, talvez ainda mais do que Nelson.
O pai de Churchill repreendia-o quando era estudante por andar a perder tempo em Harrow e Sandhurst e alertou-o para uma carreira iminente como «mero perdulário social, um entre as centenas de fracassados das escolas públicas». Não devia ter-se preocupado. Como jovem soldado no Sudão e correspondente de guerra na África do Sul durante a Guerra Anglo-Bóer, Churchill dedicou-se a aventuras novelescas, jornalismo e autopromoção, mas também devorou os grandes historiadores britânicos do passado, como Macaulay e Gibbon, e adotou o seu estilo elegante - por vezes portentoso - como se fosse seu.
Durante a juventude, Churchill participou na carga de cavalaria - a última do género dos militares britânicos - na Batalha de Omdurman em 1898, uma ação heroica da 21.ª Divisão de Lanceiros que valeu a Cruz Vitória a três homens e o monograma real ao regimento.
A Batalha de Omdurman pôs termo a um longo conflito no Sudão. Em 1881, Muhammad Ahmad, que se autodenominou al-Mahdi, o profetizado salvador do islão, liderou uma rebelião contra o jugo britânico. O Mahdi e o seu sucessor, o califa, juntamente com o seu exército de dervixes fanáticos, derrotaram por várias vezes as forças britânicas. Londres enviou o supremo asceta militar cristão vitoriano, o general Charles Gordon, que se tornou um herói-mártir imperial, morto quando o Mahdi tomou Cartum em 1885. Isto quase levou à queda do governo de Gladstone.
Em 1898, Lord Salisbury enviou um exército comandado pelo talentoso mas estranho general Herbert Kitchener para vingar a morte de Gordon, o qual idolatrava como um herói. Kitchener, que falava árabe e tinha conquistado fama em missões de espionagem no deserto vestido de beduíno, era um soldado inescrutavelmente severo e um excelente estratego, a quem foi dada a alcunha de Máquina do Sudão; também percebia de decoração de interiores e foi um ávido colecionador de porcelanas.
Churchill escreveu um relato vívido da batalha e da famosa carga de cavalaria:
A trombeta emitiu uma nota estridente, que mal se ouviu por cima do pisotear dos cavalos e do barulho da cavalgada. De imediato, as dezasseis unidades viraram-se e posicionaram-se numa longa linha galopante, e a 21.ª Divisão de Lanceiros empenhou-se na sua primeira investida na guerra.
O ritmo era rápido e a distância curta. No entanto, a menos de metade do percurso, o aspeto da situação mudou. Um sulco profundo no solo - um curso de água seco, um khor - apareceu onde tudo parecia liso e plano; e daí surgiu, com a brusquidão de um efeito de pantomima e um grito agudo e penetrante, uma densa mole branca de homens, quase tão longa quanto a nossa frente e com cerca de doze de profundidade...
Os dervixes lutaram com bravura. Tentaram cortar os jarretes aos cavalos. Dispararam os fuzis, pressionando os canos contra o corpo dos adversários. Cortaram rédeas e estribos. Arremessaram as suas lanças com muita destreza. Tentaram todos os artifícios de homens frios e determinados, experientes na guerra e familiarizados com a cavalaria; além disso, brandiam as espadas afiadas e pesadas que penetravam fundo... Então, os cavalos retomaram o trote, o ritmo acelerou e os lanceiros saíram do meio dos seus adversários. Dois minutos após o embate, todos os homens vivos estavam livres da mole dos dervixes.
A aventura seguinte de Churchill ocorreu durante a Guerra dos Bóeres, quando foi capturado. A fuga dos captores foi outro ato de bravura, imortalizado pelo próprio relato de Churchill.
Depois de ingressar na política, Churchill foi eleito deputado conservador, mas em 1904 escandalizou o seu partido ao juntar-se aos liberais. Nesse ano também casou com Clementine, que durante o resto da sua longa vida lhe devotou um apoio inabalável - e críticas sinceras quando o considerava necessário. Churchill tornou-se ministro do Interior em 1910 e primeiro lorde do Almirantado no ano seguinte. Durante a Primeira Guerra Mundial, foi responsável por garantir a organização da frota britânica, mas assumiu a culpa pela campanha de Galípoli, que custou a vida a 46 000 soldados aliados. Demitiu-se para servir na Frente Ocidental, e regressou em 1917 para se tornar ministro do Material Bélico de Lloyd George.
Em 1919-21, Churchill foi secretário de Estado da Guerra e da Aeronáutica, e depois, mudando de aliança para se juntar aos conservadores, chanceler do Tesouro em 1924-29. Na década de 1930 ficou afastado do poder, uma espécie de exílio político, mas dos bastidores anteviu os perigos de Hitler e do rearmamento alemão. Os seus avisos foram ignorados pelo governo apaziguador de Neville Chamberlain e pela maior parte da imprensa. Só quando a Segunda Guerra Mundial eclodiu é que ele voltou a cair nas boas graças e foi reintegrado no Gabinete de Guerra, assumindo o antigo cargo de primeiro lorde do Almirantado em 1939: «Winston está de volta!», indicou o Almirantado à frota.
Quando, em maio de 1940, Chamberlain renunciou perante a investida nazi na Europa Ocidental, o sentimento político era de que a Grã-Bretanha devia fazer as pazes com Hitler. Num dos exemplos mais claros de como um homem pode mudar a História e salvar não apenas uma nação mas um modo de vida, Churchill insistiu no confronto e tornou-se primeiro-ministro. Ele esteve à altura da ocasião. Logo após ter sido nomeado primeiro-ministro, dirigiu-se ao Parlamento:
Digo à Câmara tal como disse aos ministros que se juntaram a este governo, que nada tenho a oferecer a não ser sangue, labuta, lágrimas e suor... Qual é a nossa política?... Fazer guerra contra uma tirania monstruosa, nunca superada no sombrio e lamentável catálogo dos crimes humanos... Qual é o nosso objetivo?... A vitória, a vitória a todo o custo, a vitória apesar de todo o terror; a vitória, por mais comprida e árdua que seja a estrada; porque sem vitória não há sobrevivência.
Com as tropas britânicas evacuadas de Dunquerque e a aparentemente inevitável invasão da pátria pelas tropas alemãs, Churchill afirmou na Câmara dos Comuns: «Lutaremos nos locais de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos iremos render.» Duas semanas depois, quando anunciou a queda da França, dirigiu-se de novo à Câmara: «Vamos preparar-nos para os nossos deveres e comportar-nos de maneira a que, se o Império Britânico e a sua Commonwealth durarem mil anos, os homens ainda dirão: "Este foi o seu melhor momento."
Ele manteve a calma quando a RAF derrotou a Luftwaffe na Batalha de Inglaterra, o que impossibilitou a invasão nazi. Nas salas do Gabinete de Guerra, Churchill dirigia o conflito com energia e imaginação, quer deslocando-se ao exterior para visitar as tropas e os líderes estrangeiros, quer realizando reuniões pela manhã deitado na cama e pressionando os seus funcionários exaustos até às três ou quatro da madrugada, bebendo grandes quantidades de champanhe e brande enquanto trabalhava. Esforçou-se muito por estabelecer um bom relacionamento com o presidente Roosevelt e, apesar da sua aversão inata ao comunismo, travou um diálogo positivo com Estaline. Numa série de conferências ao mais alto nível, chegou a acordo com os dois líderes não apenas em relação à estratégia contra Hitler mas também para definir o mapa do mundo no pós-guerra.
Nas eleições realizadas em julho de 1945 após a derrota da Alemanha, Churchill e os conservadores foram afastados do poder. No ano seguinte, ele descreveu, como um presságio, a «Cortina de Ferro» que se abatia sobre a Europa da Guerra Fria. De 1951 a 1955, voltou a assumir o cargo de primeiro-ministro. Recusou a oferta de um ducado, mas «o maior inglês vivo» continuou a ser um imperialista eduardino romântico com um estilo e uma visão augustanos, embora nunca tenha perdido a sua sagacidade maliciosa. Quando, certa vez, o neto lhe perguntou se ele era o homem mais importante do mundo, respondeu: «Sim! Agora pira-te daqui!» Quando foi acusado de beber muito, respondeu: «Já tirei mais do álcool do que o álcool tirou de mim.» A sua escrita era tão magistral quanto a sua liderança; foi o único líder político da História que ganhou o Prémio Nobel da Literatura. Aquando da sua morte, em janeiro de 1965, Churchill teve um funeral de estado, uma honra raramente concedida a quem não faz parte da família real.
1882-1945
A sua vida deve... ser considerada um dos acontecimentos marcantes do destino humano.
Winston Churchill, a seguir à morte de Roosevelt
Nos seus quatro mandatos sem paralelo como presidente dos EUA, Franklin Delano Roosevelt tirou o país do abismo da Depressão, comandou o esforço militar norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial e ajudou a criar o «século americano», fazendo da sua nação colossal e rica o arsenal da liberdade. Homem charmoso, astuto e enigmático de convicções liberais tolerantes, de uma imensa coragem pessoal e implacável astúcia política, a determinação de Roosevelt em garantir a democracia no seu país e fora dele faz dele um dos maiores líderes da História.
Roosevelt foi eleito presidente pela primeira vez em 1932 por um país a braços com uma recessão económica terrível e 30 milhões de desempregados. Assim que ocupou o cargo, começou por implementar a política do New Deal que prometera ao povo americano, de modo a retomar o caminho da prosperidade económica. Uma intervenção sem precedentes do governo na agricultura, no comércio e na indústria permitiu ao capitalismo recuperar dos golpes sofridos com o crash de Wall Street.
As administrações de Roosevelt assumiram níveis inéditos de responsabilidade pelo bem-estar do povo. Apesar da dura oposição dos partidários do mercado livre, introduziu a segurança social, protegeu os direitos dos trabalhadores de organizarem sindicatos e regulamentou os horários de trabalho e os salários. Ao mesmo tempo, na década de 1930, supervisionou a recuperação do poder económico dos Estados Unidos e, assim, devolveu aos norte-americanos a fé no seu sistema político e no seu estilo de vida; além disso, deu ao país a força para enfrentar as provações da guerra global que se adivinhava.
Roosevelt quis que o seu país fosse «o bom vizinho» do mundo e tentou atribuir aos Estados Unidos um novo papel como garante da liberdade em todo o planeta. Percebeu desde muito cedo a barbaridade demoníaca da Alemanha nazi e sabia que, a longo prazo, a neutralidade na Segunda Guerra Mundial iria prejudicar os interesses dos EUA; no entanto, o sentimento isolacionista era de tal maneira forte que foi obrigado a concorrer às eleições presidenciais de 1940 com a promessa de manter os Estados Unidos fora da guerra.
Ao mesmo tempo, Roosevelt fez tudo aquilo que pôde para apoiar os Aliados: instituiu o programa Lend-Lease, que garantiu ajuda económica e militar à Grã-Bretanha para combater sozinha contra os nazis após a queda da França. Em janeiro de 1941 expôs as Quatro Liberdades pelas quais afirmou que os Estados Unidos estariam dispostos a lutar: pela liberdade de expressão, pela liberdade religiosa, pela liberdade de viver sem privações e pela liberdade de viver sem medo. Em agosto de 1941 encontrou-se com Churchill e promulgaram a Carta do Atlântico, que estabeleceu o direito universal à autodeterminação e à segurança nacionais e assentou os princípios daquilo que viria a ser a Organização das Nações Unidas.
O ataque japonês a Pearl Harbor em dezembro de 1941 acabou com o isolamento dos EUA. Roosevelt considerava que não era suficiente derrotar a Alemanha e o Japão e declarou: «De nada serve vencer batalhas se a causa pela qual lutamos está perdida... De nada serve ganhar uma guerra se esta não continuar ganha.» A duplicidade e a astúcia de que deu mostras na arte de governar, tanto em tempo de guerra como de paz, ficaram bem resumidas nas suas próprias palavras: «Sabem que sou malabarista e que nunca deixo que a minha mão direita saiba o que está a fazer a minha mão esquerda. Posso ter uma política para a Europa e outra diametralmente oposta para a América do Norte e do Sul. Posso ser completamente inconsistente e, além disso, estou perfeitamente disposto a enganar e a dizer mentiras se isso ajudar a vencer a guerra.»
Durante o conflito, Roosevelt não só estabeleceu os fundamentos da Organização das Nações Unidas como também, com Churchill e o ditador soviético Estaline, se tornou um arquiteto do mundo do pós-guerra. Orgulhava-se de usar o seu charme com Estaline e de criar uma relação pessoal com o líder soviético, o que costumava deixar preocupado o seu aliado mais próximo, Churchill.
Foi criticado por ter cedido grandes partes da Europa Oriental a Estaline durante as negociações, mas, uma vez que as tropas soviéticas já as ocupavam, é provável que só outra guerra as libertasse.
A crença de Roosevelt de que os fracos deviam ser defendidos das predações dos ricos e poderosos tinha-lhe sido incutida desde criança. Embora tivesse recebido uma educação privilegiada na sociedade aristocrática da costa leste, um inspirador diretor de uma escola transmitiu-lhe um profundo sentido de responsabilidade social. Mais tarde, este foi reforçado quando casou com uma prima afastada, Eleanor. Intelectual de ideais sociais progressistas, foi uma defensora incansável dos mais desfavorecidos até morrer em 1962.
A genialidade de Roosevelt residiu na maneira como se dava com as pessoas. Os milhões de norte-americanos que o ouviram expor as suas políticas na telefonia como as «conversas de um tio à lareira» sentiram como se ele estivesse pessoalmente a garantir-lhes o seu bem-estar e tranquilizou-os nos seguintes termos: «Nada temos a temer se não o próprio medo.» A relação de Roosevelt com Churchill, o seu aliado nos anos sombrios da guerra, foi de afinidade genuína; uma vez terminou um longo e sério cabograma dizendo ao primeiro-ministro britânico: «É divertido viver na mesma década que você.»
Após a reunião dos Três Grandes Aliados em Ialta em fevereiro de 1945, Roosevelt apareceu à imprensa numa cadeira de rodas e pediu desculpa pela sua «postura fora do comum», mas explicou que era «bastante mais fácil do que carregar cinco quilos de aço na parte inferior das pernas». Foi a primeira vez em que admitiu publicamente os efeitos paralisantes da poliomielite que tinha contraído aos trinta e nove anos e que combatera e escondera através da utilização de aparelhos nas pernas e de outros meios. Tratou-se tanto de uma defesa contra uma parte da opinião pública que via nele sinais de fraqueza como de uma recusa verdadeiramente heroica em deixar que uma doença debilitante arruinasse a sua determinação em desempenhar as tarefas presidenciais.
A morte súbita de Roosevelt devido a uma violenta hemorragia cerebral em abril de 1945, pouco antes da primeira assembleia da ONU, emocionou o mundo.
1878-1953
Ele não procurava atacar as ideias dos adversários, mas sim os crânios deles.
Leon Trotsky, 1936
Estaline foi o ditador soviético que derrotou a Alemanha hitleriana durante a Segunda Guerra Mundial, expandiu o Império Russo à sua maior extensão, industrializou a URSS e fez dela uma super-potência nuclear. Durante um reinado de terror que durou trinta anos, este assassino em massa foi responsável pela aniquilação de mais de 25 milhões de cidadãos inocentes e confinou 18 milhões a campos de trabalhos forçados.
José Vissarionovich Djugashvili nasceu em Gori, uma pequena cidade da Geórgia, no Cáucaso; era filho de um sapateiro alcoólico chamado Besarion (Beso) e da sua inteligente e enérgica mulher, Ekaterine (Keke). Pobre, sem certezas quanto à sua verdadeira paternidade, com a cara marcada pela varíola, sindactilia do pé esquerdo e um braço mais curto do que o outro, o jovem Soso (como era conhecido) cresceu e tornou-se uma criança muito inteligente, supersensível e emocionalmente atrofiada, pois tanto sofria de um complexo de inferioridade como de uma arrogância exagerada.
A mãe conseguiu-lhe uma vaga no seminário de Tbilissi, onde estudou para padre, aprendeu russo, leu os clássicos e publicou poesia romântica. No entanto, após a sua conversão ao marxismo, tornou-se um revolucionário fanático e impiedoso e aderiu ao Partido Bolchevique de Lenine. Foi um conspirador nato que dominou os camaradas, destruiu e traiu os adversários, assassinou aqueles que suspeitava serem espiões da polícia e recorreu sempre a medidas extremas. Foi preso por várias vezes e evadiu-se outras tantas, tendo regressado do exílio na Sibéria para a Revolução de 1905. Tornou-se o principal financiador dos bolcheviques através de assaltos a bancos e de extorsão.
Após o fracasso da Revolução de 1905, Estaline criou o seu próprio grupo de gangsters e assassinos que mataram agentes da polícia e reuniram dinheiro para Lenine à custa de uma série de assaltos a bancos, sangrentos e ultrajantes, esquemas de proteção, assaltos a comboios e até pirataria nos mares Negro e Cáspio.
A carreira de Estaline como fora da lei culminou com o assalto a um banco de Tbilissi em junho de 1907, durante o qual os seus gangsters mataram cinquenta pessoas e fugiram com 300 000 rublos. A seguir mudou-se com o seu bando para Bacu, uma cidade rica em petróleo, sempre em fuga e a espalhar a violência e o medo. Nessa época estava casado com Ekaterine (Kato) Svanidze, de quem teve um filho, Yakov, mas Kato morreu em 1907. Como não pensava assentar, teve casos com muitas mulheres e comprometeu-se com elas, teve filhos ilegítimos e abandonou-os a todos sem quaisquer escrúpulos. Voltou a casar em 1918, mas não conseguiu fazer feliz a sua nova mulher, Nadezhda (Nadya) Alliluyeva, que teve a mesma sorte de todas as outras, de tal modo que se suicidou em 1932 e deixou-lhe dois filhos legítimos, Vasily e Svetlana.
Ao longo da vida teve vários pseudónimos, mas acabou por se chamar a si mesmo Estaline, homem de aço. As suas ações violentas atraíram a atenção de Lenine e foi eleito para o Comité Central do partido. Lenine percebeu que Estaline combinava dois talentos políticos vitais: era prático e capaz de organizar ações violentas, mas também conseguia rever, escrever e produzir teoria. «É exatamente o tipo de que preciso», afirmou. Estaline foi preso pela última vez em 1912 e exilado para o Círculo Polar Ártico, onde passou grande parte da Primeira Guerra Mundial. Quando o czar foi inesperadamente deposto em março de 1917, Estaline regressou a Petrogrado, onde mais tarde Lenine iria ter com ele. Após tomar o poder com a Revolução de Outubro, Lenine reconheceu que o brilhante e pretensioso Leon Trotsky e o sombrio e implacável Estaline eram os seus dois homens de mão mais competentes e integrou-os no seu comité executivo e governativo, o Politburo.
Com a eclosão da Guerra Civil, Lenine manteve-se no poder através do terror e destacou Estaline para resolver os problemas com toda a brutalidade, mas este revelou-se muito menos competente como chefe militar quando comparado com Trotsky, que tentou sempre destruir.
Em 1922, Lenine, ansioso por contrariar o prestígio de Trotsky, promoveu Estaline ao cargo de secretário-geral do partido. No entanto, pouco depois foi ultrajado pela arrogância do seu protegido e tentou destituí-lo, mas era demasiado tarde. Depois de Lenine ter sofrido um derrame fatal em 1924, Estaline aliou-se a Lev Kamenev e Grigory Zinoviev contra Trotsky, que foi derrotado em 1925, enviado para o exílio em 1929 e morto por um dos assassinos de Estaline em 1940. Após o exílio de Trotsky, Estaline virou à direita e aliou-se a Nikolai Bukharin para derrotar Kamenev e Zinoviev.
Em 1929, Estaline foi aclamado como sucessor de Lenine, o Vozhd - o Dirigente -, e daí em diante tornar-se-ia objeto de um culto frenético da sua personalidade. Após se livrar de Bukharin, empreendeu um esforço implacável para industrializar a atrasada URSS e coletivizar o campesinato; perante a resistência dos camponeses, desencadeou uma quase guerra contra os mais abastados, conhecidos por kulaks, fuzilou muitos e exilou ainda mais, e continuou a vender cereais ao estrangeiro, apesar de dez milhões terem sido fuzilados ou morrido devido à fome que ele mesmo criou. Este foi um dos maiores crimes de Estaline.
Em 1934, não obstante um congresso triunfal do partido, houve uma conspiração para substituir Estaline pelo seu jovem braço-direito, Sergei Kirov, que mais tarde foi assassinado em Leninegrado. Não se sabe ao certo se foi Estaline quem ordenou o crime, mas não há dúvida de que se serviu dele para lançar o Grande Terror de modo a recuperar o controlo e esmagar qualquer dissidência. Com a ajuda da NKVD, a polícia secreta, sujeitou aqueles que considerava serem os seus principais inimigos políticos a uma série de julgamentos encenados e a confissões obtidas sob tortura.
Zinoviev, Kamenev e Bukharin foram considerados culpados de crimes inventados e fuzilados, tal como depois aconteceu a Yagoda e Yezhov, que se tinham sucedido na chefia da NKVD. No entanto, os julgamentos encenados foram apenas a ponta do icebergue: em 1937-38, Estaline emitiu ordens secretas para prender e fuzilar milhares de «inimigos do povo» por cidade e por quotas regionais. O Politburo e o Comité Central foram purgados; 40 000 oficiais do exército fuzilados, entre os quais três dos cinco marechais. Nem sequer os seus amigos mais próximos estavam a salvo, pois assinou listas de morte com 40 000 nomes. A sociedade soviética estava aterrorizada e envenenada. Nesses anos, cerca de um milhão de pessoas foram mortas, ao passo que muitos milhões foram mortas, torturadas e exiladas para campos de trabalho forçado na Sibéria, onde muitas acabaram por morrer. «Não se pode fazer uma omelete sem partir ovos», afirmou.
Em 1939, confrontado com o ressurgimento da Alemanha nazi, e como desprezava as democracias ocidentais, Estaline pôs de lado o seu antifascismo e assinou um pacto de não agressão com Hitler (Pacto Molotov-Ribbentrop). A Polónia foi dividida entre a Alemanha e a URSS e, por ordem de Estaline, 28 000 oficiais polacos foram assassinados no massacre da floresta de Katyn. Também ocupou e aterrorizou os estados bálticos e empreendeu uma guerra desastrosa contra a Finlândia.
Ignorou os avisos constantes de que Hitler planeava atacar a URSS, mas o facto é que a invasão começou em junho de 1941 e dias depois os exércitos soviéticos começaram a bater em retirada. A sua incompetência ao interferir em questões militares provocou um número colossal de baixas - cerca de seis milhões de soldados - no primeiro ano da guerra. No final de 1942 aprendeu finalmente a ouvir os conselhos e os seus generais conseguiram uma vitória decisiva sobre os alemães em Estalinegrado. Tratou-se do ponto de viragem da guerra, e quando o Exército Ver-melho tomou Berlim, em maio de 1945, os soviéticos já controlavam toda a Europa Oriental, sobre a qual mantiveram uma mão de ferro durante os quarenta e cinco anos seguintes. Estaline mostrou-se indiferente ao custo da vitória: cerca de 27 milhões de soviéticos - tanto soldados como civis - perderam a vida durante a guerra, ao longo da qual ele continuou a ordenar a deportação de povoações inteiras para a Sibéria, incluindo um milhão de chechenos, metade dos quais morreram pelo caminho.
Enquanto o conflito durou, Estaline estabeleceu relações pessoais com os líderes aliados, Franklin Roosevelt e Winston Churchill, que encantou e manipulou numa série de cimeiras dos Três Grandes em Teerão, Ialta e Potsdam, dando mostras dos seus grandes dotes como diplomata.
Precisamente quando estava no auge em 1945, o presidente Harry Truman (que sucedera a Roosevelt) revelou que os Estados Unidos tinham a bomba atómica, que iriam usar contra o Japão. Confrontado com o poder crescente dos EUA, Estaline aplicou com sucesso todos os seus recursos num projeto secreto com vista à criação da bomba atómica soviética e que ficou concluído em 1949.
Passou os últimos anos de vida num isolamento glorioso e paranoico. Logo a seguir ao final da guerra retomou o reinado do terror. Em 1949, dois dos herdeiros que tinha escolhido foram abatidos durante o chamado «caso Leninegrado», a par de muitas outras pessoas. Em 1952, e ao que parece, convencido de que todos os judeus na URSS eram aliados dos Estados Unidos, planeou executar os seus camaradas veteranos e para isso implicou-os na «Conspiração dos Médicos», que encenou para acusar os médicos judeus de conspirarem para assassinar a liderança soviética. Estaline morreu na sequência de um derrame em março de 1953.
Mestre da repressão brutal, da conspiração subtil e da manipulação política, este filho de um sapateiro tornou-se o sumo pontífice do marxismo internacional e o mais bem-sucedido czar russo da História. Estaline e os bolcheviques, em conjunto com os seus grandes inimigos, Hitler e os nazis, provocaram mais miséria e tragédia a um número incalculável de pessoas do que qualquer outra figura da História.
Baixo, de feições inescrutáveis, olhos cor de mel que ficavam amarelos quando se enfurecia, Estaline era dotado, mas desprovido de alegria, paranoico ao ponto da insanidade, possuía um cinismo e uma impiedade absolutos e foi um marxista fanático. Foi um marido e um pai terrível que envenenou todas as relações que manteve em vida e que acreditava que a vida humana era sempre descartável e que a aniquilação física era uma ferramenta essencial da política. Com o seu humor negro característico, disse a Churchill: «Uma morte é uma tragédia; um milhão de mortes é uma estatística.» Não teve ilusões quanto à sua brutalidade, tendo afirmado: «A vantagem do modelo soviético é que resolve os problemas rapidamente... através do derramamento de sangue.» Entre 10 e 20 milhões de pessoas morreram às suas mãos e 18 milhões passaram pelos campos de concentração do seu Gulag.
Apesar de ter sido um dos monstros mais impiedosos da História, continua a ser um herói para muitos: num livro didático de 2008, prefaciado pelo presidente Vladimir Putin, foi elogiado como «o mais bem-sucedido líder russo do século XX».