Timor-Leste pode articular melhor a justiça formal e informal -- Comissão Reforma Judicial

Timor-Leste pode beneficiar de um melhor equilíbrio e articulação entre sistemas formais e informais de justiça, afirmou hoje o responsável de uma comissão de reforma judicial.
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"Temos olhado para a resolução dos conflitos como uma política global e do acesso à justiça e não apenas, como se vê classicamente, olhando apenas para a justiça do Estado", explicou à Lusa Jorge Graça, presidente da Comissão para a Reforma Legislativa e do Setor da Justiça (CRL).

Em Timor-Leste, mais de 80% da população "recorrem em primeira análise às formas tradicionais ou costumeiras de resolução de conflitos. Há aí uma área muito importante a considerar", sublinhou.

Graça disse que este é um dos aspetos que se tem debatido no âmbito das consultas que estão a ser realizadas para o processo da reforma em curso em Timor-Leste, onde a justiça na sociedade timorense tem "uma alternatividade do uso de meios".

"Olhar para a justiça como algo que na sociedade tem vários mecanismos e onde, claro, os tribunais são elemento fundamental do Estado de Direito democrático, mas onde há também a resolução ancestral de conflitos no seio das comunidades. Algo a que as populações estão habituadas e recorrem de forma continua", frisou.

Jorge Graça falava à Lusa à margem de uma ronda de debates que a CRL promove, este mês, em Díli, para analisar as conclusões e recomendações para a reforma que deverão ser apresentadas em breve ao executivo, já na reta final do mandato.

Entre os temas em análise, esta semana, contam-se o equilíbrio entre a política de "resolução de conflitos centrada na sociedade, justiça informal" e a "política de resolução de conflitos centrada na sociedade, justiça formal".

O responsável da CRL explicou que é importante realizar um "mapeamento das instâncias de resolução de conflito nas comunidades, segundo o costume e as formas tradicionais" e identificar "pontos de contacto, relações que já existem" nas várias fases do processo de justiça, do inquérito ao julgamento e às penas.

"Mais tarde estudaremos as próprias penas, a relação entre uma justiça punitiva e a justiça restaurativa praticada e que a população mais quer", disse.

O objetivo depois é procurar "articular e harmonizar" estas questões, evitando "tabus ou visões extremamente formalistas e estaduais", mas também o oposto, "a visão de rejeição do papel do Estado".

"Como me disse um líder tradicional: é bom olhar para os nossos costumes mas também compreender que não temos nação sem Estado e sem lei nacional", afirmou.

Equipas timorenses apoiadas por especialistas internacionais realizaram desde o ano passado várias consultas e debates no âmbito de um processo de diagnóstico sobre o Sistema de Justiça Formal e Informal.

Esse processo de diagnóstico, em várias fases, incluiu equipas formadas por membros da Comissão para a Reforma Legislativa e do Setor da Justiça (CRL), investigadores do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES) e colaboradores do Programa de Monitorização do Sistema de Justiça de Timor-Leste (JSMP) e da organização não-governamental (ONG) Belun.

Jorge Graça explicou que, no decurso dos trabalhos, a comissão contactou mais de 800 pessoas cujas opiniões, além de pesquisas e trabalhos empíricos, permitiram "aferir que aspetos da legislação e dos tribunais e do setor da justiça em geral carecem de uma atenção com sentido da reforma".

Mais do que definir o programa de reforma, disse, a CRL vai "preparar uma política e estratégia para a reforma que fundamentalmente virá a ser trabalhada e decidida pelo Governo que sairá das eleições de 22 de julho".

A reforma vai incidir quer nas leis já em vigor, quer na produção de novos diplomas, com as "principais tendências identificadas" e várias recomendações para o próximo Governo.

As recomendações pretendem ajudar a criar as bases sólidas e coerentes para desenhar políticas mais eficazes no setor da justiça, capazes de "afirmar o Estado de direito no seio da diversidade cultural e reconhecer o direito à igualdade e à diferença", de acordo com a CRL.

Coerência legislativa, simplificação de leis e adequação à realidade timorense são "aspetos essenciais", especialmente tendo em conta leis estruturantes como o Código Penal e Civil, 'importados' do sistema português, indicou Jorge Graça.

"Agora é altura de olharmos para a nossa realidade e ver que aspetos devemos ajustar. Já identificámos várias áreas significativas no direito penal substantivo, quer no Código Penal, quer em leis especiais, onde podemos trabalhar", disse.

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