Vamos começar pelo básico, porque a junção destes dois dados, energia escura e 70% do universo, soa a algo inquietante. O que é então a energia escura?.Foi uma grande surpresa no estudo do universo quando se começou a medir com mais detalhe a sua taxa de expansão e se descobriu que só com a matéria comum era difícil de explicar a expansão que era observada. Os modelos que temos atualmente estimam que aquilo a que chamamos matéria comum, no fundo aquilo que nos rodeia e da qual somos feitos, constitui apenas 5% de toda a energia do universo. Depois existem mais 25% que é um tipo de matéria a que chamamos matéria escura, que, provavelmente, não interage com a matéria comum. E os restantes 70% serão, então, de energia escura. Pensa-se que seja uma componente mais exótica do universo - cuja constituição é, por enquanto, uma incógnita..O estudo desta energia escura já nos trouxe algumas surpresas. No século XXI descobriu-se que o universo está em expansão acelerada....A força que domina o universo e que explica a sua expansão é a força gravítica. E isso acontece porque as outras forças se tendem a anular nas grandes distâncias. Ora, depois da explosão inicial e da expansão que se seguiu, era suposto que a expansão desacelerasse. E não é esse o caso. Há cinco mil milhões de anos, a expansão do universo começou a acelerar e mantém-se assim até hoje..Qual é a relação dessa expansão acelerada com a energia escura?.É muito difícil explicar uma expansão acelerada quando temos uma força atrativa, como a gravítica. Portanto, tem de estar ali algo que não conhecemos. Pode ser uma força extra que seja repulsiva, mas é difícil de a introduzir na Física vinda do nada. Por isso a forma mais eficaz de explicar será uma componente do universo mais exótica, com uma pressão negativa, e isso transforma a gravidade numa força repulsiva. Um dos candidatos mais óbvios é algo chamado constante cosmológica, que é uma das possibilidades para esta energia escura..E qual é o estado atual do nosso conhecimento sobre a origem e a evolução do universo?.Há coisas que temos a certeza de terem acontecido no início do universo. Uma dessas coisas é a radiação cósmica de fundo, que é observável, e que é a nossa primeira fotografia do universo. Nessa altura, o universo tinha cerca de 400 mil anos. Antes disso, entre o Big Bang e esses 400 mil anos, o universo é constituído por um plasma muito quente, completamente opaco à luz. Quando o universo arrefeceu o suficiente para os eletrões se juntarem em átomos, a luz ficou livre, e é aí que surge a radiação cósmica de fundo: são fotões que se libertaram e que ainda estão a chegar até nós, que viajaram mais de 13 mil milhões de anos até os detetarmos. Essa fotografia está muito bem tirada, temos vários satélites que conseguiram essa fotografia com muito pormenor - e isso dá-nos muitas informações sobre o início do universo..E conseguimos recuar mais no tempo?.Sim, é possível. O núcleo-síntese explica-nos como se formaram os núcleos que deram origem aos átomos. Ou seja, são energias mais elevadas, anteriores a esta radiação cósmica de fundo, mas a nossa teoria de física nuclear ainda é bastante segura e explica esse processo. Isso permite-nos prever qual a percentagem de átomos de hidrogénio e de lítio, que foram os primeiros a formarem-se. Isso é medido e pode ser confrontado com a evolução do universo nessa altura. Esse é o melhor retrato dos primórdios: é anterior a esses 400 mil anos e vai até três minutos depois do início do Big Bang..Mais para trás, nesses primeiros três minutos do universo, entramos num terreno mais especulativo. É aí que entra a teoria da inflação primordial - que defende uma expansão acelerada nos primeiros momentos da existência do universo..Sei que estás envolvido num grande projeto internacional relacionado com as ondas gravitacionais, tema que já mereceu um Nobel da Física, e que irá abrir novas janelas para a observação do universo..Sim. Trata-se do projeto LISA, um novo telescópio composto por uma constelação de três satélites que vai permitir medir ondas gravitacionais no espaço. Isto significa que vamos poder estudar objetos de uma maneira diferente, não baseada no espectro eletromagnético, como a luz, o raio X ou o infravermelho..Ainda em termos de avanços tecnológicos, sei que estás também a colaborar no Euclid, uma outra missão internacional da Agência Espacial Europeia. O que devemos esperar desta iniciativa?.Pouco a pouco, caminhamos para uma cosmologia de precisão. O Euclid será um exemplo dessa nova geração de ferramentas e permitirá fazer um mapa excelente da estrutura de galáxias à nossa volta. Com esse mapeamento a três dimensões, poderemos medir a taxa de expansão do universo de forma muito precisa. O que, sendo boas notícias, vai exigir melhores cálculos e, eventualmente, novos modelos..dnot@dn.pt