A efervescência recente de histórias sobre Michael Jordan tem uma explicação. A culpa é de um documentário da Netflix em parceria com a ESPN - The Last Dance - que repassa toda a carreira da lenda do basquetebol americano e mundial. O basquetebolista que voava sobre os adversários em direção ao cesto, continua a marcar pontos, mais de 15 anos depois de se reformar à terceira tentativa, em agosto de 2004. A lenda continua viva e a prova disso é que, desde que foi transmitido o primeiro de uma série de 10 episódios sobre a vida do atleta e em especial a época 1997-98 ao serviço dos Chicago Bulls, a 19 de abril, as vendas da Nike e da Air Jordan dispararam. No Brasil, por exemplo o acréscimo foi de 650%..Os últimos dois episódios do The Last Dance vão ser transmitidos esta segunda-feira. Para trás ficam histórias inéditas de amor e ódio daquele que é considerado o maior jogador de basquetebol de todos os tempos. Depois de anos de namoro, em 2016, Jordan aceitou a ideia do documentário. O primeiro trailer oficial foi conhecido em dezembro de 2018, sendo que a primeira data prevista para a estreia da série foi junho de 2020, tendo no entanto sido antecipada para abril a pedido de milhares de fãs. E não desiludiu. Em Portugal está no top 10 das séries mais vistas da Netflix..Com narração do próprio - sentado confortavelmente num cadeirão, com um copo de uísque e um charuto por perto - e a ajuda de imagens inéditas, a "última dança" de Jordan, uma clara associação aos último campeonato conquistado pelo jogador, dá a conhecer o lado mais competitivo da estrela dos Bulls, um jogador agressivo, intimidatório, egocêntrico, de trato difícil, arrogante e até tirânico para com os colegas de equipa..Traços de personalidade menorizados pela grandeza dele em campo e de quem olhava para ele como o jogador que resolvia jogos e ganhava campeonatos sozinho. Segundo alguma imprensa norte-americana, Jordan teme mesmo que o documentário denigra a sua imagem. Mas para a sua filha, Jasmine, serviu para perceber melhor o pai, enquanto jogador de basquetebol. Em 1997, Jasmine tinha apenas 5 anos e só agora, passados 23 anos, percebeu a razão do pai ser uma lenda da NBA: "Agora compreendo como as outras pessoas o viam, quando eu e os meus irmãos só o víamos como nosso pai.".Em 1997, depois de meia dúzia de anos de glória, aos Bulls e a Jordan impunha-se registar a ligação vitoriosa que entraria para a história da NBA. Assim, e pela primeira vez, uma equipa de filmagem da NBA Entertainment teve acesso à rotina do maior jogador de basquetebol de sempre. As câmaras entraram nos balneários, quartos de hotel, assistiram aos treinos, a reuniões, viajam junto com os jogadores. Tudo isto depois de prévia autorização de Michael Jordan, do treinador Phil Jackson e do proprietário e presidente do clube, Jerry Reinsdorf. O resultado foi mais de 500 horas de filmagens. Jordan tinha poder de veto. Raramente o usou..O sétimo episódio é um dos mais emotivos, dedicado à relação ele com o pai e o impacto que o seu homicídio teve na sua vida e na sua carreira. A morte de James Jordan ainda hoje é um mistério. Tinha passado esse dia no funeral de um antigo colega de trabalho, em Wilmington, e viajava para Charllote. Cansado e a meio da noite, James Jordan terá decidido parar o carro para dormir um pouco na berma de uma estrada, junto a um motel. Terá sido alvejado logo depois de acordar, mas o seu corpo foi descoberto por um pescador num lago onze dias depois..O egoísta Pippen, a zanga com Barkley, o confronto físico com Perdue e Bryant.O documentário revela um Michael Jordan obcecado com a vitória. A exigência de mais esforços aos colegas de equipa era constante. Depois de ver um episódio onde eram retratados incidentes e desentendimentos, o autor do livro The Jordan Rules, por exemplo, revelou que Jordan não deixava o antigo colega Horace Grant comer se jogasse mal. "Os jogadores vieram ter comigo ao longo dos anos e disseram: 'Você sabe o que ele fez? O Jordan não deixava o Horace Grant comer no avião se achasse que ele tinha feito um mau jogo'", contou o escritor, à CBS, deixando no ar uma pretensa frase de Jordan na altura: "'Não o alimentem. Ele não merece.' O episódio mais recente conta os momentos intensos entre Will Perdue, antigo jogador dos Chicago Bulls, e MJ, recordados precisamente por Grant: "Uma vez Will Perdue fez um bloqueio ilegal ao Jordan e ele disse-lhe para não voltar a fazer aquilo. Phil Jackson insistiu para repetirmos os exercícios e os dois pegaram-se. Tentamos agarrar o Will para não bater no Jordan. No dia seguinte, no avião, tinha o olho negro."."Os nossos treinos eram fenomenais. Phil Jackson, para levar tudo ao limite, colocava o Jordan na equipa de suplentes e deixa o Scottie Pippen e eu na dos titulares. Isso para Jordan era totalmente inimaginável. Houve brigas, socos e tudo mais. Pelo menos os jornalistas nem sempre estavam por perto como hoje em dia.".Numa reação ao documentário, Charles Barkley, ex-jogador de basquetebol e atual comentador, não escondeu que continua "muito triste" com o fim da relação de amizade com Michael Jordan. O antigo jogador criticou-o pelo seu trabalho como diretor nos Charlotte Bobcats [agora Charlotte Hornets] e não mais se falaram. "O Michael, a certa altura, era a pessoa mais famosa do mundo. Estava toda a gente sua na folha de pagamento. Queriam que fosse ele a comprar bebidas, a pagar o jantar ou simplesmente que ele os convidasse para voar no seu jato particular. Muito poucos amigos vão ser honestos, e isso é muito difícil para qualquer celebridade, mas especialmente para alguém com o seu estatuto. E eu fui...", disse Barkley, que sempre foi uma das pessoas mais chegadas a Jordan. As comparações com LeBron James são uma constante. Quem é afinal o melhor? Para Dennis Rodman, rei dos ressalto nessa era dourada dos Bulls, essa nem sequer é uma questão. "Se LeBron jogasse nos anos 90, continuaria a dizer que o Scottie Pippen era o segundo melhor jogador, atrás do Michael Jordan", referiu..Scottie Pippen era o braço direito de Jordan nos Bulls. Um jogador imprescindível para o astro brilhar. De tal maneira que para MJ, "quando se fala do Jordan, tem de se falar no Pippen". Mas isso não impediu que ambos tivessem um desentendimento. Apesar de ser o segundo melhor da equipa, ou o primeiro a seguir a Jordan, Pippen era apenas o sexto na folha salarial da equipa e apenas o 122.ª mais bem pago da NBA e queria receber mais. Para marcar uma posição, decidiu adiar uma operação a um tendão de um dedo do pé esquerdo para aproveitar o verão e só depois ser operado, recuperando durante a temporada. Algo que não agradou ao camisola 23, que o chamou de"egoísta". A tensão entre Pippen e o resto da equipa era tal que Pippen pediu para ser trocado. Foi então que Jordan avisou os donos do clube que o 33 só saía com o aval de todos..O dia em que quis desistir, a influência da mãe, a Nike e a ausência da mulher.Mas tudo podia ser diferente se a mãe de Jordan não o impedisse de desistir do basquetebol antes mesmo de começar. Michael foi fazer treinos de captação na escola de Wilmington, de onde era natural, e foi dispensado da equipa. "Cheguei a casa a chorar, disse à minha mãe que tinha sido cortado e que não queria praticar mais desportos", contou o ex-Bulls, recordando que a mãe o convenceu a treinar durante o verão. Nesse período cresceu mais de 10 centímetros e voltou lá, tornando-se no melhor jogador da equipa, sendo cobiçado pelos treinadores universitários. A mãe sempre foi uma presença forte na vida do basquetebolista, que não esquece que foi ela que o influenciou a assinar um contrato que ainda hoje lhe rende milhões de euros. Depois de levar negas da Converse e da Adidas, que preferiam atletas credenciados na NBA, o novato Jordan viu a Nike apostar nele em 1994. Ao início ele não via muitas vantagens em assinar por uma marca que estava muito ligada ao atletismo e recusava reunir com os responsáveis da marca norte-americana. Até que entrou em cena Deloris Jordan, que convenceu o filho a reunir-se com a Nike, para "ouvir o que eles tinham a dizer". "Foi ela quem me fez entrar no avião ", confessou MJ, que ouviu depois o seu agente impor como condição ter uma linha de ténis com seu nome. A Jordan Brand, que inclui os icónicos Air Jordan, só no ano passado faturou cerca de 3 biliões de dólares..Há ainda quem estranhe a ausência de testemunhos no documentário da ex-mulher, Juanita Vanoy, mãe dos seus três primeiros filhos e com quem esteve casado durante 17 anos. Segundo a imprensa norte-americana era ela que o mantinha com os pés no chão e impedia que revelasse o seu lado de estrela deslumbrada. "Não estava interessado na opinião das suas mulheres, nem dos seus filhos. Tinha outros narradores e contámos a história de vários pontos de vista", justificou o diretor do documentário, Jason Heir, sem convencer aqueles que acham que o jogador vetou a sua presença. Isto, além da cláusula de confidencialidade assinada aquando do milionário divórcio, pelo qual recebeu 168 milhões de euros. Michael Jordan defendeu os Bulls entre 1984 e 1998. Foi a terceira escolha da equipa de Chicago no draft de 1984. O lendário camisola 23 conquistou seis títulos, dois tricampeonatos entre 1991 e 1998, todos nos Bulls. Jordan representou ainda nos Wizards e foi cinco vezes MVP da NBA e atualmente é o quinto maior marcador de todos os tempos da NBA. Chegou a marcar 63 pontos num jogo de playoffs contra o Boston Celtics em 1986, levando Larry Bird, estrela dos Celtics, a descrevê-lo assim: "Deus disfarçado de Michael Jordan"