Thatcher também é nome de alfacinha

Fotógrafo britânico vive em Portugal há 25 anos. Tem o mesmo apelido da antiga-primeira-ministra, mas não é da família. Diz que Portugal é casa, adora sobretudo Lisboa
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Nas paredes do Studio 3'11 há fotos de Cristiano Ronaldo, Mourinho, Teresa Salgueiro, Rui Costa, Zé Pedro ou Pierce Brosnan. Todas a preto e branco. É neste estúdio num antigo edifício industrial de Alcântara, hoje parte da LXFactory, que Kenton Thatcher trabalha quando está em Lisboa, a sua cidade adotiva desde que no início dos anos 1990 veio fazer um trabalho para a Central Models, ficou uns tempos, começou a namorar com uma portuguesa, comprou por cá casa e descobriu "aquilo que agora traz tantos turistas", e que vai do charme dos bairros tradicionais até à luz e ao Tejo. "Tenho uma paixão por Portugal, mas sou sobretudo um alfacinha", diz este fotógrafo britânico nascido em 1964 em Londres.

Kenton, apesar do apelido Thatcher, não tem parentesco com a antiga primeira-ministra britânica, ainda que por ter crescido na época em que esta mandava ter chegado a ter alguns problemas. "Quando Margaret Thatcher era ministra da Educação acabou com o leite gratuito nas escolas. Chamavam-lhe Thatcher the Milk Snatcher, qualquer coisa como "Thatcher ladra de leite". Também tive de ouvir esse gozo", conta, com a filha Scarlet ao lado, uma menina loirinha mas meio-portuguesa, que está em Lisboa de férias em agosto mas vive em Londres com a mãe o resto do ano.

Por o pai trabalhar no Ministério do Interior, nos tempos em que o IRA tentava assassinar a primeira-ministra Thatcher, a família até chegou a temer algum tipo de confusões com o nome, "mas nunca aconteceu nada", sublinha Kenton. Foi, aliás do pai, funcionário do departamento de comunicação do Home Office, que ganhou o gosto pela fotografia. "O meu pai fotografava tudo. Tirou milhares de fotografias. Tenho a minha vida enquanto jovem toda documentada. Ao pormenor. Por isso não gosto hoje de ser fotografado", acrescenta, mesmo tendo de posar para o DN, para a fotografia que acompanha este perfil. E, claro, durante boa parte do tempo falou de máquinas e de lentes.

A câmara escura do pai

Entrou aos 12 anos pela primeira vez na câmara escura do pai. E aos 16 fez o primeiro estágio como assistente de um fotógrafo, John Gray, que jogava ténis no mesmo clube que o pai. "Andava felicíssimo. Fazíamos sobretudo fotos de nus", diz, a rir. E de repente uma grande oportunidade para acompanhar Clive Arrowsmith num trabalho para o calendário Pirelli. "Era para ser na Coreia, mas acabou por ser em Espanha. Cinco semanas para 12 fotos", conta Kenton.

Na escola, Kenton sempre tinha preferido as artes às disciplinas teóricas, mas lamentava não ter talento natural para a pintura. A fotografia acabou por ser a forma de seguir a vocação artística. E os estudos ficaram para trás quando começou a ser assistente de grandes fotógrafos e por fim fotógrafo profissional.

"Viajava muito. Fazia fotos de moda e era uma boa vida. Mas alguns clientes começaram a desafiar-me para tentar uma carreira própria. E arrisquei. O calendário Pirelli pôs-me no mapa", explica. E conta como lhe ofereceram dez cópias do calendário a título de prémio, pediu de seguida a todas as modelos que as autografassem, e depois as vendeu graças a um anúncio no Sunday Times. "Vendi oito deles. Foi ótimo", relembra.

Uma filha meio-portuguesa

Já tinha passado por Portugal uma dúzia de vezes quando a Central Models o contratou para um trabalho. Isto aconteceu "há uns 25 anos". Depois vieram as colaborações com a Marie Claire e Elle, a capas de discos de artistas como Rui Veloso, os Xutos & Pontapés, Marco Paulo, José Cid ou os Delfins. Uma namorada portuguesa acabou por fazer o resto e Kenton fixou-se por cá desde então, só com uma tentativa recente de viver entre Londres e Lisboa por causa da filha, mas que acabou por não resultar. "Eu e a Scarlet vivemos em países diferentes, mas vemo-nos muito. E é melhor para ela que o pai esteja bem, feliz, satisfeito com o trabalho", afirma.

Kenton conta que chegou a fotografar para os catálogos do Feira Nova, muitas fotos de publicidade. Tudo o que aparecia. "Tornei-me uma máquina de fazer fotografias", admite. Depois trabalhos melhores começaram a surgir: a campanha dos alfacinhas para o Centro Comercial das Amoreiras, Figo para a Tag Heuer, Mourinho para o BPI.

Deste contacto com nomes famosos do futebol acabou por tirar algum proveito extra. No fim da sessão publicitária perguntava sempre se podia tirar mais umas fotos pessoais. E muitas vezes a resposta era sim. Aconteceu com Cristiano Ronaldo, quando jogava no Manchester United. Foi até lá para uma campanha do BES e o craque português, mesmo cansado de horas de trabalho como modelo, aceitou deixar-se fotografar por Kenton com dedicação total. "Ronaldo trabalha sempre a 110%."

Rainha inglesa, Portugal como casa

Nos últimos dois anos, Kenton tem sido convidado da embaixadora britânica Kirsty Hayes por ocasião da habitual festa de aniversário de Isabel II. "Tem sido muito interessante. Tiro fotos a muita gente, que assim fica a conhecer o meu trabalho", conta num bom português. Nessas ocasiões usa um blazer com a Union Jack, a bandeira, estampada. E claro para de disparar quando é hora do God Save the Queen tocar. O que não choca com o dizer que "Portugal é casa".

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