Tenho de reagir tenho de reagir tenho de reagir 

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Nunca resisti às redes sociais e não encontro motivo para me ausentar delas, por mais ódio que permitam ou multipliquem, e de que aqui falei na semana passada. Porque ao lado desse ódio, dessa capacidade de torpedear o outro, julgando-o, há não só tempo e espaço para o amor e o encontro, como há, e isso é essencial, a possibilidade de conhecer mais, chegar mais, ver mais.

Talvez por ter crescido na Covilhã, num tempo em que não havia internet nem telemóveis e tudo dependia da capacidade e da possibilidade de chegar a uma biblioteca para perceber que o mundo não acabava nos nossos dedos, emociono-me sempre com a possibilidade de um qualquer miúdo, no mais recôndito dos lugares, no mais desgraçado dos contextos, poder sonhar, encontrar forma e engenho de sair, de crescer, de encontrar um caminho.

É um dado adquirido este, o de que podemos saber tudo sobre tudo, inclusivamente saber que não sabemos quase nada por mais que saibamos tudo, mas a parte de mim que organiza os meus sonhos e não os deixa morrer não esquece aqueles anos em que conhecer mais, ir mais longe, era só um sonho, um privilégio.

Estou por isso entre os defensores deste mundo global e em rede, deste espaço de liberdade. E se muito mudou, e vai mudar, não há outro remédio que não encontrar forma de nos adaptarmos a essa mudança, não perdendo tempo a tentar travá-la com as mãos, mesmo com mãos de legislador. E não há redes sociais sem gente, daquela de carne e osso, e é ela, não a tecnologia, a agir, a decidir, a tergiversar.

Mas nada disto me faz prescindir de prudência, não tanto quanto à presença nas redes - onde, com uma ou outra cautela, e com registos distintos, vou gostando de estar -, mas sobretudo quanto à veloz leitura que oferecem do mundo, como se tivéssemos de tomar posição sobre tudo, agora e já, como se fosse nosso dever dizer logo que sim ou que não, se apoiamos ou rejeitamos, se seguimos ou nos demarcamos.

Isto é muito impressivo no espaço das redes sociais - que é pequeno, mas que me parece enorme à conta dos algoritmos - que se dedica a falar de política e a confrontar e a debater com políticos.

Nada contra esse diálogo, mas que não se leia na ausência de participação, de resposta, uma qualquer falta democrática, um pudor. E não é que desgoste do debate, da ação, de executar, se possível depressa. Trata-se de não prescindir de uma razão, de uma reflexão, que não pede lentor mas que não se conforma com a vertigem do já e do agora ou cale-se para sempre, muito menos com a chantagem implícita nessa vertigem.

Não é difícil encontrar quem já tenha percebido a facilidade com que se provocam factos e reações e tropeções e deslizes através das redes sociais, e por isso abuse da tática, em modo casca de banana, com os jornais a correr atrás, e a provocar o "tenho de reagir tenho de reagir tenho de reagir".
Quase nunca corre bem.

Advogado

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