"Temos que recuperar os rastreios que ficaram por realizar"

Na véspera do Dia Mundial Contra o Cancro - que o DN assinala com um especial de oito páginas na edição impressa desta quinta-feira (4 de fevereiro) - Paulo Cortes, médico e coordenador do Centro de Oncologia do Hospital Lusíadas Lisboa, defende que vai ser necessário um investimento concertado de todo o sistema de saúde para se recuperar o que ficou por realizar durante a pandemia.
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No Dia Mundial Contra o Cancro, não perca o especial do DN - um trabalho com entrevistas, artigos de opinião e testemunhos de médicos sobre como tratar o cancro em tempos de pandemia, num especial de oito páginas na edição impressa de 4 de fevereiro.

Médico e coordenador do Centro de Oncologia do Hospital Lusíadas Lisboa, Paulo Cortes frisa que é importante não descurar os exames de rastreio e de diagnóstico. "Temos que recuperar os rastreios que ficaram por realizar" na pandemia, alerta.

Como especialista na área da oncologia, o que considera que se deve mudar ou aperfeiçoar no combate ao cancro no nosso país?

Investir cada vez mais e de forma criativa na informação da população. Envolver todos os parceiros em torno desta causa, profissionais de saúde, estruturas governativas, sociedades científicas, associações de doentes e a sociedade civil em geral. Fazer um levantamento real das capacidades instaladas no nosso país, quer em meios técnicos quer humanos. Reorganizar e integrar, com uma lógica de colaboração entre instituições do sistema de saúde, para entregar os melhores cuidados de forma atempada, a quem precisa, independentemente da área de residência e das condições socioeconómicas. Tudo isto é muito importante se pensarmos que, de acordo com dados do Globocan (IARC), o número estimado de novos casos de cancro em Portugal, excluindo os cancros de pele não melanomas, foi de 36 835 em 2000, 43 284 em 2008, 58 199 em 2018 e 60 467 em 2020, o que demonstra o aumento claro da incidência do cancro do nosso país. São números que vão de encontro aos dados de incidência mundial em países desenvolvidos reportados pela Organização Mundial de Saúde. É importante fazer ainda referência a um tipo de cancro que, apesar de ainda não ser dos que tem mais incidência, tem um crescente registo de casos: o cancro da pele, nomeadamente os cancros da pele não melanoma.

Neste ano de pandemia que mensagem se deve passar aos doentes?

É importante não descurar os exames de rastreio ou de diagnóstico. Em caso de sintomatologia suspeita ou de algum sinal de alerta que possa indiciar uma patologia oncológica recorrer ao seu médico assistente. Mas a todos os outros cidadãos é preciso dizer que devem investir na promoção de estilos de vida saudáveis para seu bem e para bem de todos. Praticar e fazer passar a mensagem de não ao tabagismo, não à exposição solar a horas não indicadas, sim à atividade física regular e a uma alimentação saudável e variada. Realizar os exames de rastreio nas alturas indicadas.

Que investimento vai ser preciso fazer na área oncológica para recuperar todo o tempo perdido com a pandemia e em que estes doentes ficaram para trás?

Vai ser necessário o investimento concertado de todo o sistema de saúde. Temos que recuperar os rastreios que ficaram por realizar. E, provavelmente, vamos ter que lidar com os tratamentos de um número mais elevado de casos, mais graves e mais avançados, que vão ser diagnosticados nos próximos tempos.

Portugal é dos países que regista maior incidência do cancro do estômago em toda a Europa. O que considera que ainda há a fazer para melhorar esta situação?

Em 2012, o cancro gástrico representou cerca de um milhão de casos, o que corresponde a 6,3% do total de casos de cancro. É o 5º cancro mais comum e a 3ª causa de morte por cancro, com apenas 30% dos doentes estando vivos aos cinco anos. Em 2016, em Portugal era a 5.ª causa de cancro e a 4.ª causa de mortalidade por cancro, o que permite classificar Portugal como um país de risco intermédio para cancro gástrico. O risco cumulativo de um português desenvolver cancro gástrico é de 1,44 % (0-74 anos). Segunda a IARC (International Agency For Research Cancer) estima-se que em 2035 o número de casos aumentará, com cerca de 11 pessoas por dia a serem diagnosticadas.

Mas quais são os fatores de risco?

Os fatores de risco são conhecidos e a maioria modificáveis: género masculino (incidência duas vezes superior nos homens em relação às mulheres), idade (pessoas com idade superior a 50 anos), hábitos alimentares (alimentos salgados, fumados e dieta pobre em vegetais e fruta) sedentarismo, ingestão de bebidas alcoólicas, tabagismo (incidência 2 vezes maior nos fumadores), antecedentes familiares, infeção por Helicobacter pylori, alterações inflamatórias do estômago (metaplasia intestinal, Gastrite atrófica e pólipos do estômago). Para diminuir o risco e incidência poderemos alterar os fatores de risco modificáveis (consumo de alimentos salgados e fumados, privilegiando o consumo de fruta e vegetais), levar um estilo de vida saudável com prática regular de exercício físico, evitar tabagismo e álcool. Por outro lado, há que elaborar estudos para se perceber qual o custo/benefício do rastreio, e estabelecer um programa nacional para a deteção e erradicação da Helicobacter pylori.

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