Temer publica norma que facilita o trabalho escravo

Nome de prevaricadores só será divulgado com autorização do executivo. Presidente agrada ao lóbi rural para se salvar no Congresso.
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Uma portaria do Ministério do Trabalho publicada nesta semana dificulta a punição de empresas que submetem trabalhadores a condições análogas à escravidão. A norma, publicada na noite de segunda-feira no Diário Oficial, determina que só o ministro pode incluir nomes de empregadores na chamada Lista Suja do Trabalho Escravo, poder até agora a cargo de técnicos. Segundo a nova regra, fica mais difícil também fiscalizar, comprovar e punir quem comete esse tipo de crime.

"O governo está de mãos dadas com quem escraviza: não bastasse a não publicação da lista suja e a falta de verbas para as fiscalizações, agora edita uma portaria que afronta a legislação vigente e as convenções da Organização Internacional do Trabalho", acusou Tiago Cavalcanti, coordenador nacional da Erradicação do Trabalho Escravo.

"É um grave retrocesso, ao ministro só faltou escrever que agora precisamos de identificar as correntes que prendem o trabalhador", reagiu Carlos Silva, o presidente do Sindicato de Auditores Fiscais do Trabalho. "Auditores que se depararem com trabalhadores a dormirem com porcos e vacas ou bebendo água suja já não podem resgatá-los porque a portaria condiciona esse resgate à restrição da liberdade física deles", acrescenta Cavalcanti. "É escandaloso, a decisão do resgate passa de técnica a política", lamenta frei Xavier Plassat, da Comissão Pastoral da Terra.

Alessandro Molon, deputado do oposicionista Rede, partido da ambientalista Marina Silva, considerou a norma "brutal para milhares de brasileiros". "Temer parece desconhecer qualquer limite, sepultar o combate ao trabalho escravo em troca de salvação na Câmara dos Deputados é escandaloso." Segundo Molon e a maioria dos observadores, a medida é uma concessão à poderosa (e numerosa) Frente Parlamentar Ruralista, informalmente chamada de Bancada do Boi, às vésperas da votação da segunda denúncia contra Temer na Câmara dos Deputados, que lhe pode valer o afastamento do Planalto. O presidente tem-se reunido nos últimos dias com dezenas de deputados, solicitando o voto em troca de favores.

Marcos Montes, que pertence ao PSD e integra a Bancada do Boi, admitiu que a portaria é "uma exigência antiga" do setor. "Torna a questão sobre a definição de trabalho escravo mais clara e impede excessos." Em nota, o Ministério do Trabalho afirmou que "a Lista Suja deve coexistir com os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório". Procurada pela imprensa, a ministra dos Direitos Humanos não se pronunciou.

Na portaria, está determinado que, ao contrário da resolução da ONU, "o trabalho forçado só será caracterizado quando não há consentimento do trabalhador"; dantes, era considerado regime análogo à escravidão quando um empregado aceitasse trabalhar apenas em troca de comida. A Lista Suja do Trabalho Escravo passa a ser divulgada duas vezes ao ano e só sob o aval do ministro do Trabalho; dantes poderia der atualizada a qualquer momento e competia a uma área técnica liderada por André Roston, exonerado na semana passada após renovar a lista.

Também na semana passada, 20 trabalhadores foram resgatados de uma fazenda em Vargem Grande, no Maranhão, onde extraíam cera de carnaúba sem acesso a água potável ou sanitários, dormindo em redes ao relento e alimentando-se no mesmo local que cavalos. Segundo relatório da organização de Direitos Humanos Walk Free Foundation, mais de 155 mil brasileiros viviam em 2014 em condições de escravidão moderna.

São Paulo

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