Observou pela primeira vez uma tempestade de areia em Marte e registou a imagem de estrelas a nascer como nunca antes se vira. Mostrou, em estreia, o efeito dos buracos negros e foi mais longe que todos os outros - no tempo e no espaço -, ao ponto de ver galáxias velhas de 13 mil milhões de anos. As novidades e as suas repercussões científicas nos vários campos da astronomia foram tais que hoje pode bem dizer-se algo como antes do Hubble e depois do Hubble. Mas o telescópio espacial, que hoje completa 15 anos de vida activa em órbita, pode ter os dias contados a breve prazo..O Hubble tornou-se uma aposta ganha em todos os campos da astronomia, mas não se pode dizer que tenha começado bem. Pouco depois de ter sido lançado para a órbita terrestre, em 1990, percebeu-se que tinha um defeito óptico que permanecera indetectável e que punha em causa a sua missão. A solução encontrada foi arrojada a reparação em órbita. Em 1993, uma espectacular missão da NASA devolveu a visão apurada ao telescópio e, a partir daí, as descobertas e as novidades sucederam-se a um ritmo constante..A contabilidade faz-se pelos milhares para cima de 22 mil objectos observados (de estrelas a quasares, passando por planetas, galáxias ou nebulosas) e mais de seis mil artigos científicos publicados. O Hubble mudou a astronomia. Mas fez mais. A resolução sem precedentes das suas imagens (por escaparem à interferência da atmosfera terrestre), e também a sua beleza, cativaram também desde o início a opinião pública. As descobertas do Hubble não fazem vibrar apenas os astrónomos..Uma das grandes proezas do telescópio espacial aconteceu no ano passado, quando ele captou a luz mais longínqua (e mais distante) de sempre do universo e mostrou pela primeira vez o retrato de uma galáxia que remonta à época em que o cosmo tinha apenas 750 milhões de anos - pode não parecer, mas é uma tenra idade após o Big Bang. A 13 mil milhões de anos-luz da Terra, essa galáxia é o mais longínquo objecto alguma vez observado por olhos humanos. E foi o Hubble que permitiu abrir essa janela de visão..De resto, um dos principais objectivos da missão Hubble era responder à pergunta que idade tem o universo? Graças ao telescópio espacial, a resposta é nesta altura de 13,7 mil milhões de anos. ."Graças ao Hubble conseguiu-se observar galáxias cuja idade remonta aos primeiros 10% da idade do universo", explica o astrofísico José Afonso, do Observatório Astronómico de Lisboa, um dos portugueses que há anos trabalha directamente com os dados deste telescópio. Em 1999, quando fazia o doutoramento no Imperial College, em Londres, José Afonso foi um dos investigadores que conseguiu tempo de observação no Hubble. "É muito difícil, porque há muitos projectos e os níveis de exigência são muito altos", diz. Nessa altura estudou a morfologia de algumas das galáxias mais distantes do universo..Por tudo isto, a possível proximidade do fim do Hubble não agrada aos astrónomos. Foi o acidente do vaivém Columbia, em 2003, que acabou por ditar a sua sorte. Para que o telescópio espacial pudesse viver mais 10 a 15 anos, seria necessária pelo menos mais uma missão de manutenção, que reparasse alguns sistemas que o mantêm na órbita correcta e a apontar de forma certeira para os objectos que deve observar. Mas essa missão, que deveria ter ocorrido este ano, foi naturalmente cancelada..Sabe-se que o dispositivo que regula o direccionamento do telescópio, baseado em giroscópios, é nesta altura um dos mais desgastados. O Hubble pode funcionar bem com os três giroscópios - dos seis que o equipam - que ainda funcionam, mas abaixo desse limiar, tornar-se-á difícil de controlar. E depois do acidente do Columbia, qualquer missão de reparação daquele instrumento orbital ficou fora de causa - já que, segundo a NASA, em caso de perigo para a tripulação, não haveria combustível para chegar ao porto seguro da estação espacial internacional (ISS)..Uma última esperança de ainda se conseguir reparar o telescópio em 2006 - e assim prolongar-lhe a vida por mais 10 a 15 anos, em vez dos dois ou três que ainda poderá resistir ao desgaste dos seus próprios materiais - reside agora na possibilidade de uma missão robotizada sem necessidade de participação de uma tripulação. Mas uma decisão sobre isso só será tomada pela NASA no final do ano. Até lá, o tempo é de comemoração, em que Estados Unidos e Europa se associam com programas variados.