A história de um soldado português da baixa nobreza que, em 1506, partiu com Afonso de Albuquerque para a Índia, onde se converteu ao islamismo, está na base da peça "Ouvidor geral", que se estreia na quarta-feira, dia 09, em Lisboa..Em comum com Fernão Lopes, o famoso cronista do século XV, tinha o soldado português o nome. Chegado a Goa, aqui acabaria por cometer o crime de apostasia, convertendo-se ao islamismo, e revoltando-se contra Afonso de Albuquerque que, para se vingar, o manda torturar e mutilar, acabando Fernão Lopes, o guerreiro, por se tornar um indigente nas ruas de Goa durante a primeira conquista dos portugueses na Índia..No regresso a Portugal, já após a morte de Afonso de Albuquerque, em 1515, Fernão Lopes acaba por fugir do barco onde viajava, escondendo-se na então deserta ilha de Santa Helena, onde viveu sozinho durante cerca de uma década, explicou à Lusa o ator Manuel Wiborg, que encena o espetáculo e o protagoniza..Passados os primeiros 10 anos, é descoberto pelo comandante de um navio português, pois as caravelas portuguesas abasteciam-se de água naquela ilha do Atlântico Sul, que fica impressionado com a história do único habitante que ali encontra, e a narra a comandantes de outros navios, que depois seguem a rota, para lhe deixarem víveres, sementes, cabras e galinhas, com que Fernão Lopes acaba por povoar o território, permanecendo na ilha mais dez anos, disse Wiborg..A história do renegado acaba por chegar à corte portuguesa. Fernão Lopes é trazido então para Portugal, onde foi perdoado por João III. Viaja igualmente para Roma, sendo também perdoado pelo crime de apostasia pelo Papa Clemente VII que decidiu facultar-lhe a realização de um desejo, que Fernão Lopes lhe pede: regressar a Santa Helena, onde viria a morar mais vinte anos e a morrer..Para Manuel Wiborg, a história do soldado Fernão Lopes chamou-lhe "muito à atenção", por ser "muito peculiar" e por se tratar de uma personagem que, "no fundo, é o primeiro Robinson Crusoé da História"..Além disso, trata-se de uma personagem que "foi muitas coisas ao longo da vida, inclusive um ambientalista, porque ele cultiva a ilha com produtos vindos do mundo todo", referiu.."Aquela ilha [onde mais tarde Napoleão viria a morrer], no tempo de Fernão Lopes, foi uma espécie de um primeiro sinal de globalização do mundo, mas através das plantas e das sementes", já que Fernão Lopes cultivava produtos de todo o lado que obtinha do navios que ali passavam, acrescentou Manuel Wiborg..A história de Miguel Castro Caldas foi baseada na obra "O outro exílio", do escritor egípcio A. R. Azzam, que narra a história de Fernão Lopes que já deu origem a uma série e está "na base de uma grande produção que está a ser feita em Hollywood"..O que fascina Manuel Wiborg, na personagem de Fernão Lopes, é o facto de se tratar de um "homem muito humanista para o seu tempo", já que se converteu ao Islamismo, "por discordar da forma brutal como os colonizados eram tratados pelos portugueses na Índia".."E, por outro lado, é um ser humano que adquire várias facetas ao longo da sua vida, sendo a última delas esta forma de cultivar a ilha e abastecer as caravelas portuguesas, como uma forma de redenção do seu crime de apostasia", concluiu.."Ouvidor geral" tem cenografia de Ana Tomé, figurinos de Lucha d´Orey, música de Adriano Sérgio, sonoplastia de André Pires e luz de Cárin Geada..Encenada e com direção de produção de Manuel Wiborg, "Ouvidor geral" é uma produção do Teatro do Interior e vai estar em cena no Teatro da Politécnica até 19 de fevereiro, com sessões de sexta-feira a sábado, às 19:00.