Tancos. Ex-chefe da Casa Militar do Presidente ainda está sob investigação

João Cordeiro terá incongruências graves entre o seu depoimento e os factos apurados e provas recolhidas. Vai ser investigado por falsidade de testemunho.
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O processo de Tancos pode não ter terminado para o ex-chefe da Casa Militar do Presidente da República. A investigação vai continuar, porque o Ministério Público considerou que os depoimentos de João Cordeiro teriam incongruências em relação aos factos apurados e provas recolhidas. Daí que o MP tenha extraído a certidão para continuar a investigar e não prejudicar a celeridade do processo. Em causa estará um crime de falsidade de testemunho.

No fundo, a acusação teve muitas suspeitas sobre João Cordeiro e o seu conhecimento da "intentona" e da negociação que estaria a ser feita - à margem da lei e da investigação oficial da PJ - com os assaltantes.

Segundo o MP, "a prova existente (...) demonstra contactos próximos com Luís Vieira (o diretor da PJM), o teor das interceções telefónicas, as declarações de Vasco Brazão, a confirmação da existência de e-mails enviados, aliada à sua postura processual, ao faltar com a verdade no seu depoimento, permitem suspeitar que João Cordeiro pudesse estar a acompanhar, de alguma forma, as diligências paralelas que Luís Vieira e os arguidos da PJM estavam a levar a cabo", diz o despacho de acusação.

Na acusação, constam "pelo menos, três e-mails" de Luís Vieira para Cordeiro. "Por outro lado, resulta dos dados de tráfego do telemóvel de Luís Vieira que o mesmo enviou uma mensagem escrita (SMS) e falou, telefonicamente, algumas vezes, com João Cordeiro nos dias após a visita ao Paióis de Tancos e no próprio dia do achamento (das armas furtadas)", adianta a acusação do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP).

Por isso, o MP suspeitava que havia "conhecimento do acordo que foi efetuado" com o autor do roubo. E como, nestes casos, a denúncia é obrigatória, isto levou o MP a pensar imputar um crime de abuso de poder a João Cordeiro. Acontece que este crime tem uma moldura penal de menos de três anos de prisão - e, neste caso, as provas obtidas através de emails não são válidas. E outras, não havia.

Por isso, o MP quer continuar a investigar. Na base da investigação está a ideia que Vasco Brazão teria passado, no interrogatório de que João Cordeiro sabia de tudo. "Luís Vieira confessou a Vasco Brazão ter contado tudo o que sabia, em 19 de setembro de 2017, a João Cordeiro, sendo certo que, nessa data, o acordo com a garantia de impunidade de João Paulino (ex-militar e presumível autor do furto das armas) já tinha sido celebrado", lê-se na acusação.

Os autos do processo de Tancos mencionam uma escuta telefónica, em 01 de abril de 2019, na qual o investigador-chefe da PJ Militar Vasco Brazão fala com o seu pai e diz-lhe: "Nós temos provas concretas em que a Casa Militar (de Marcelo Rebelo de Sousa) foi informada. A Casa do Presidente, temos provas concretas, há e-mails. Portanto, não há que fugir a isso. Agora não sei se ele quer falar já ou se é só em julgamento".

A acusação alude ainda a uma conversa telefónica (sob escuta), em 05 de abril de 2019, entre o investigador-chefe da PJMilitar Vasco Brazão e a sua irmã em que este declara: "Vais ver que o papagaio-mor não vai falar sobre Tancos tão cedo. Pois, porque eles sabem, aliás o Sá Fernandes (advogado) já fez chegar à Presidência que eu tenho um e-mail que os compromete. Portanto, eles não vão falar sobre Tancos. E quando for o julgamento isto vai rebentar. Aliás, a minha ideia era escrever um livro para sair quando começar o julgamento".

Segundo a acusação, o papagaio mor tanto se poderia referir a Marques Mendes, por causa do seu programa de TV, como a Miguel Sousa Tavares.

No final da investigação ao caso de Tancos, nove dos 23 arguidos foram acusados de planear e executar o furto do material militar dos paióis nacionais e os restantes 14, entre eles o ex-ministro Azeredo Lopes, da encenação que esteve na base da recuperação do equipamento.

Estes arguidos foram acusados, designadamente, por crimes de terrorismo (com referência ao crime de furto), de tráfico e mediação de armas, de associação criminosa, bem como de tráfico de estupefacientes. Os restantes 14 arguidos, incluindo militares da Polícia Judiciária Militar (PJM) e da Guarda Nacional Republicana (GNR), de diversas patentes, um técnico do Laboratório da PJM e o ex-ministro da Defesa Nacional Azeredo Lopes, são suspeitos da encenação que esteve na base da recuperação de grande parte do material militar.

Estão todos acusados pelos crimes de favorecimento pessoal, denegação de justiça e prevaricação, sendo que os militares e o técnico do Laboratório estão também acusados, designadamente, por crimes de falsificação de documento, tráfico e mediação de armas e associação criminosa. Dos 23 arguidos, oito estão em prisão preventiva e 11 (militares e técnico de laboratório) suspensos de funções. Os restantes ficaram sujeitos à medida de coação de proibição de contactos.

O inquérito pretendeu investigar o furto, em 28 de junho de 2017, e as circunstâncias em que aconteceu a recuperação de grande parte do material militar, em 18 de outubro do mesmo ano.

Entende o MP que, além da "extrema gravidade dos crimes", a personalidade dos arguidos, incluindo Azeredo Lopes, manifestada nos factos, e o seu elevado grau de culpa, colidem com os fins institucionais de cargos públicos que ocupavam.

Para o MP, o ex-ministro da Defesa, que se demitiu em 12 de outubro de 2018, teve conhecimento das diligências paralelas feitas pela Polícia Judiciária Militar ao caso do furto de Tancos junto de uma pessoa com quem negociava a entrega do material.

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