Taiwan e China em momento "sombrio"
Uma delegação de senadores franceses é recebida nesta quinta-feira pela presidente de Taiwan, Tsai Ing-wen, no que é mais uma acha para a fogueira entre a China continental e o regime democrático instalado na ilha Formosa. As tensões estão no seu pior em mais de quatro décadas, como disse o ministro da Defesa no parlamento de Taipé, depois de Pequim ter enviado um número recorde de aviões militares na zona de defesa aérea de Taiwan.
No site da embaixada da China em Paris a visita foi descrita como prejudicial aos interesses de Pequim, às relações sino-francesas e à imagem de França. Já em março o embaixador havia escrito ao senador Alain Richard, que preside à associação de amizade do senado com Taiwan. Então, o diplomata chinês exigiu que a viagem não se realizasse e advertiu que a visita "violaria claramente o princípio de uma só China e enviaria o sinal errado às forças pró-independência em Taiwan".
Richard, de 76 anos, foi ministro da Defesa durante o governo socialista de Lionel Jospin e é atualmente do partido de Emmanuel Macron, Em Marcha! O senador, que já fizera duas viagens similares a Taiwan, recebeu a solidariedade do Ministério dos Negócios Estrangeiros de Jean-Yves Le Drian, que em março convocara o embaixador chinês Lu Shaye para este se explicar devido ao teor da carta enviada a Richard. Agora, a diplomacia francesa declarou que os senadores são livres para se deslocarem aonde entenderem.
A visita dos quatro senadores - que termina no domingo, dia nacional da República da China, nome oficial de Taiwan - expõe também as rivalidades entre Pequim e Taipé no controlo da pandemia, durante a qual Taiwan se destacou pela sua eficiência, apesar de ter sido excluído da Organização Mundial de Saúde. Sendo certo que a França deixou de reconhecer Taipé em 1964, Alain Richard propôs ao Senado uma resolução a favor da participação de Taiwan nas instituições internacionais, tendo sido aprovado por unanimidade.
Também em Taiwan está o ex-primeiro-ministro Tony Abbott. É o convidado especial do Forum de Yushan, um evento que procura angariar apoios internacionais para tirar a ilha do isolamento. Sendo certo que no ano passado o orador foi o seu compatriota e sucessor Malcolm Turnbull, a presença deste ano levanta muito mais ondas, tendo em conta a parceria estratégica firmada entretanto por Austrália, EUA e Reino Unido (AUKUS) que visa contrariar a China.
Estas presenças internacionais coincidem com a tensão militar entre Taiwan e China no pior momento em quatro décadas, segundo reconheceu o ministro da Defesa Chiu Kuo-cheng, após vários dias de incursões de aviões chineses na zona de defesa aérea. "Para as Forças Armadas, a situação atual é a mais sombria em 40 anos desde que iniciei a minha carreira", declarou no Parlamento o ministro. Para Chiu, se a capacidade de defesa da ilha se mantiver, em 2025 Pequim estará em posição de lançar um ataque em grande escala "com custos e perdas no mínimo", ao contrário da situação atual.
Pequim enviou 150 aviões de guerra na zona de defesa aérea de Taiwan desde sexta-feira, incluindo bombardeiros H-6 com capacidade nuclear. O líder chinês Xi Jinping considera "inevitável" que Taiwan faça parte do seu território. Pequim aumentou a pressão militar, diplomática e económica na ilha desde 2016, ano em que a presidente Tsai Ing-wen, uma nacionalista que considera a ilha uma nação soberana e não parte da China, assumiu o poder em Taipé. Nesta quarta-feira exortou Pequim "a exercer contenção para evitar um conflito potencial devido a erros de cálculo ou acidentes", um dia depois de ter escrito um texto na Foreign Affairs, no qual reafirmou que Taiwan não irá ceder a pressões e que "fará o que for preciso" para se defender das ameaças.
As incursões de aviões chineses receberam palavras de apoio do aliado norte-americano. O presidente Joe Biden disse na terça-feira que havia discutido sobre Taiwan com o presidente chinês Xi Jinping no mês passado. Biden usou uma expressão pouco clara, "acordo sobre Taiwan" (que não existe), para demonstrar solidariedade para com Taipé. Com o estabelecimento de laços diplomáticos em 1979 com Pequim, os Estados Unidos "tomaram conhecimento" mas não reconheceram a posição da China de que Taiwan faz parte da China, mantendo ao mesmo tempo relações não oficiais e apoio militar com Taipé ao abrigo da Lei de Relações de Taiwan.
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