"Não tínhamos comida, só bebíamos água", contam crianças salvas da gruta
As 12 crianças tailandesas e o treinador de futebol que ficaram bloqueados numa gruta inundada na Tailândia e que estão internados desde a semana passada deixaram esta quarta-feira o hospital e preparam-se para dar a primeira conferência de imprensa.
Os 13, vestidos com as camisolas da equipa Wild Boars, começam por jogar um pouco com bolas de futebol num campo improvisado, mostrando que estão totalmente recuperados.
Antes de responder às perguntas (foram submetidas mais de cem), passa um vídeo sobre a despedida dos 13 do hospital. "Eles estavam prontos para voltar a casa desde que entraram na gruta", disse o médico que ficou com as crianças até eles serem resgatados.
"Depois de falar com as crianças e o treinador e de muitas atividades para assegurar o seu estado mental, descobrimos que é bastante bom. Devem ser capazes de lidar com o stress social depois de voltar a casa. E estão fisicamente fortes para voltar a casa, tendo ganho três quilos", disse a psicóloga que lidou com eles no hospital. E que leu previamente as perguntas, para garantir que nenhuma será traumática.
Os 13 apresentam-se antes de começar a falar. O mais velho é o treinador, com 25 anos, e o mais novo tem apenas 11 anos. Os Navy Seal tailandeses, que estiveram na gruta com os jovens, também estão presentes. O El País partilhou o vídeo da primeira aparição dos meninos.
"Ouvimos alguém e não conseguimos acreditar", diz Dul, o jovem que respondeu ao socorrista inglês, o primeiro a encontrá-los na gruta. "Ele disse 'hello' [olá] e nós dissemos 'hello' de volta", conta, indicando que quando lhe perguntou quantos estavam ali ele respondeu "13" e a resposta do socorrista foi "brilhante".
O treinador Ake depois pediu a Dul, o único que fala inglês, para traduzir o que o mergulhador britânico disse. Ake indica que ele pediu à equipa para ser paciente.
Os jovens falam do tempo no hospital e de como assistiram à final do Mundial de Futebol. "A maioria estava a torcer pela França", revelam. Só dois torciam pela Croácia.
O treinador Ake responde agora à pergunta sobre porque é que entraram na gruta, dizendo que todos concordaram entrar e a ideia era estar só uma hora no interior. "Queríamos explorar o interior da gruta. Por isso é que fomos mais longe", explica. "Foi no regresso que descobrimos que estávamos presos. Tínhamos que nos molhar e nadar", conta.
O treinador diz ainda que todos sabem nadar, ao contrário do que chegou a ser noticiado. Mas que não sabiam até onde a água podia subir. Alguém questionou se estavam perdidos, mas o treinador disse que não, porque só havia uma saída e podiam sair com as cordas. Ao longo dos dez dias em que ficaram presos sem serem encontrados, dizem que tentaram ainda escavar, para encontrar um sítio seguro.
"Tive medo de não poder voltar a casa", conta um dos jovens sobre o momento em que ficaram presos, achando que tinham ficado perdidos na gruta. Outro diz que pensou que a mãe ia ralhar com ele por chegar tarde a casa.
Os 13 não tinham comida, mas bebiam a água que caía do teto, porque era a mais limpa. "Antes de irmos dormir, na primeira noite, rezámos", conta Ake, dizendo que não ficou preocupado, porque achava que no dia seguinte a água iria escoar da gruta. "Não ouvíamos a chuva lá fora", explica.
"À medida que o tempo ia passando, ficámos com fome e cansados", conta um dos jovens, dizendo que o treinador lhes disse para ficarem parados, para poupar energias. "Ao final dos 10 dias, antes de sermos encontrados, estávamos muito fracos e com muita fome", dizem. "Não tínhamos comida, só bebíamos água."
A equipa conta que, depois de encontrarem os jovens, estavam preocupados com a energia deles e a moral. E usaram um grito de guerra que se traduz por "Wild Boars - lutar".
Sobre os Navy Seals tailandeses que ficaram com eles, após serem descobertos, dizem que sentem como se fossem família. Um deles diz que considera um dos Seals um pai.
Os jovens mostram um desenho de Saman Kunan, um dos Navy Seals que morreu durante a operação de resgate, dizendo que decidiram escrever-lhe mensagens, que pudessem depois ser enviadas à família. "Sentimo-nos culpados por causa da sua morte", diz o treinador.
"Prometo ser uma boa pessoa, um bom cidadão", diz um dos rapazes. Outro diz que gostaria de ser um Navy Seal, para poder ajudar os outros, além de jogador de futebol.
Perguntados sobre se queriam ser Navy Seal, quatro deles levantaram os braços. "Quero ser futebolista e Navy Seal", disse um, secundado por outros.
Outro disse que ainda não sabia o que queria ser no futuro, mas já tinha uma certeza. "Quero ajudar os outros."
Questionados sobre como foi escolhida a ordem de saída da gruta, explicaram que "ninguém competiu para ser o primeiro para sair".
Um dos agentes especiais da Marinha explicou que "todos estavam capazes e pareciam igualmente fortes", pelo que se optou pelo método de se voluntariarem de braço no ar.
Vários dos jovens aproveitaram para pedir desculpas aos pais por não os terem avisado de que iriam fazer uma visita à gruta. Um deles conta que avisou, mas que deu o nome de outra gruta. "Devem ter andado à minha procura por todas as grutas."
Outro ainda não escondeu que em casa vai sofrer um castigo: "Estou em apuros com a minha mãe."
O objetivo da conferência de imprensa é permitir que voltem à vida normal. "Trata-se de deixar os meios de comunicação social colocarem questões e depois deixá-los regressar à vida normal sem que estejam constantemente a ser alvo da atenção dos media", disse à France Presse o porta-voz do governo tailandês, Sunsern Kawkumnerd.
O grupo que foi resgatado encontrava-se desde a semana passada no hospital de Chiang Rai, norte da Tailândia, depois de terem permanecido duas semanas na gruta inundada.
A conferência de imprensa está marcada para as 18:00 (meio-dia em Lisboa) e deve prolongar-se durante uma hora.
Os psiquiatras que acompanham as crianças e o treinador pediram para ter acesso às perguntas dos jornalistas para afastarem aspetos que podem ser traumáticos para os elementos do grupo.
De acordo com os especialistas recordar o sofrimento a que estiveram sujeitos pode ser prejudicial para as crianças.
Por outro lado, o general Prayut Chan-O-Cha, chefe da Junta Militar no poder na Tailândia após o golpe de Estado de 2014 avisou os jornalistas sobre a "tentação de colocarem perguntas sem importância".
Os familiares das crianças também vão estar presentes.