Suores, mal-estar, dor no peito. Fala quem já sofreu o enfarte do miocárdio
Era apenas mais um jogo de futsal com os amigos, uma prática que regularmente Fernando Gonçalves gostava de alinhar. O dia ficou gravado. "Foi em 25 de maio deste ano. Estava a jogar com os amigos, como habitual, em Rio Tinto e comecei a sentir uma forte dor no peito. Não parou e acabei por me sentar, deixei o jogo. Um colega aproximou-se para saber se estava tudo bem. Perante os sinais, ele perguntou se não era melhor ir ao médico. Respondi que era melhor chamar o 112", conta ao DN este homem de 51 anos, residente em Vila Nova de Famalicão, um dos doentes que sofreram um enfarte agudo do miocárdio, ou mais vulgarmente um ataque cardíaco, que ontem se juntaram pela primeira vez no Porto para relatar as suas experiências, numa iniciativa da Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular (APIC), como forma de prevenção.
Fernando Gonçalves percebeu que os sintomas não eram normais. "Era uma coisa fora do comum. Não me estava a sentir nada bem." A equipa do INEM fez logo exames no local e encaminhou-o para o Hospital de Santo António, uma unidade preparada para dar resposta imediata a este tipo de doença súbita. Feito o cateterismo cardíaco e confirmado o diagnóstico, passou quatro dias e meio no hospital. Rapidamente voltou ao trabalho na área financeira de uma multinacional. A decisão de chamar o INEM de imediato foi a correta e poupou Francisco a complicações mais graves.
Não fumava, não bebia nem tinha uma alimentação desregrada e até praticava exercício físico. "É óbvio que fazemos a pergunta: porquê? Quais são as causas disto? No meu caso, pode ter sido o stress e os antecedentes genéticos. O meu pai quando tinha 50 anos teve um enfarte", avalia Fernando Gonçalves que hoje se diz "sentir bem", embora a doença tenha provocado mudanças na sua vida. "Desde logo na medicação, hoje tomo seis comprimidos por dia. É a maior mudança. Tenho mais cuidado na alimentação e faço caminhadas. Ainda não posso jogar futsal mas essa é uma das minhas motivações."
Para ajudar na recuperação, Fernando frequenta agora o centro de reabilitação cardíaca do HSA, onde o exercício físico é monitorizado. É uma espécie de privilegiado por viver de um centro urbano como o Porto. Na sessão de ontem, o presidente da APIC, João Brum da Silveira, e a fisiatra do HSA, Sandra Magalhães, alertaram para uma realidade em Portugal: há 22 centros de reabilitação no país, sendo 11 em Lisboa, dez no Porto e o outro em Faro.
No caso de Henrique Lourenço, enfermeiro reformado de Portalegre, a reabilitação pós-enfarte, sofrido em junho de 2018, é mais complicada. "Tenho consultas pós-enfarte em Portalegre, mas neste espaço de tempo já tive três cardiologistas diferentes", revelou. O enfarte surgiu também num momento de exercício físico. "Fazia uma caminhada quando numa subida mais íngreme, fiquei muito cansado. Quis continuar mas não conseguia recuperar. Tive que parar." Chamado o INEM acabou por ir de helicóptero de Portalegre para Évora. Hoje, tal como Francisco Gonçalves, toma medicação, cuida melhor a alimentação e faz as caminhadas, agora mais curtas.
São dois exemplos de pessoas que sofreram enfartes agudos do miocárdio e que esta quarta-feira estiveram no auditório do HSA no Porto para dar o seu testemunho. João Brum da Silva, presidente da ACIP, diz que os doentes "devem ter uma voz no processo", sendo este encontro um contributo "para o reconhecimento da importância da atuação face aos sintomas desta doença e a reforçar o papel decisivo da mudança de estilos de vida".
O médico explicou os principais traços desta doença. O enfarte agudo do miocárdio surge quando uma das artérias do coração fica obstruída, fazendo com que parte do músculo cardíaco fique em sofrimento por falta de oxigénio e de nutrientes. A obstrução da artéria pode levar à insuficiência cardíaca e mesmo à morte. Há cerca de 11 mil casos anuais em Portugal, com a taxa de mortalidade, após tratamento hospitalar, a ser de 3%. As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte em Portugal, com cerca de 31 mil vítimas anuais.
Há dois fatores de risco para o enfarte. O primeiro não se modifica e engloba a idade - os mais velhos estão mais vulneráveis -, o sexo, com os homens a serem mais atingidos, já que as mulheres têm uma proteção hormonal, e a genética. Não há forma de contrariar estes fatores. No segundo tipo, os fatores modificáveis, surgem o tabagismo - uma das principais causas -, as diabetes, a hipertensão, a obesidade, entre outros. Como as mulheres adquiriram muitos dos maus hábitos antes reservados aos homens, como o tabaco, o número de casos do sexo feminino tem aumentado.
A doença manifesta-se com um mal-estar geral, quase sempre com uma dor aguda no peito, intensa e que irradia muitas vezes para o braço, o pescoço ou dorso. Começam as náuseas e os vómitos. O suor abundante é outra característica muito comum. O conselho médico é acionar o INEM, nunca tentar ir pelos próprios meios para o hospital. "Cada Segundo Conta" é o nome da campanha que a APIC tem em curso e reflete isso mesmo - a rapidez no diagnóstico e tratamento é decisiva para a sobrevivência do doente.
Depois de acontecer, a doença tem ainda outro problema - é crónica. A fisiatra Sandra Magalhães explicou que a reabilitação é por isso fundamental e "dura toda a vida". Passa pelo exercício físico, medicação, cessação tabágica, controlo de diabetes e alimentação. A obesidade tem sido galopante na sociedade portuguesa. "Vamos ter um aumento de casos, com a obesidade a ser muito frequente na sociedade. Mais de 50% dos estudantes são obesos", aponta João Brum da Silveira.
É a fazer exercício físico que muitas pessoas sofrem o enfarte. Iker Casillas, futebolista profissional, teve um enfarte do miocárdio com 38 anos. O seu caso poderá ter uma explicação genética, ou de outro tipo, diferente daquela que muitas vezes atinge a maioria das pessoas. "A maioria até pode não fumar mas não tem um estilo de vida saudável. São hipertensos ou tem o colesterol alto, o que são fatores de risco", diz o presidente da APIC, aconselhando as pessoas a verificarem se têm condições para a prática do exercício físico a que se propõem.
Foi também a jogar futebol que Manuel Domingos, há 20 anos, sofreu um enfarte. Tinha 40 anos na altura e fumava muito. Teve um primeiro sinal a que não ligou muito. Naquele dia a jogar futebol teve que parar. "Suava por todo lado. Disse ao meu filho: jogai que isto passa", conta, lembrando-se que fumou um cigarro logo após. "Foi o cigarro que mais mal me soube na vida". Só quando chegou a casa é que tomou a decisão. Disse à mulher que não estava bem e acabou no hospital. Já teve mais dois enfartes, mesmo depois de se tornar "um fundamentalista": deixou de fumar, cuidou da alimentação e fazia exercício.
Armando Nogueira tem 80 anos e também já sofreu um enfarte, há 12 anos. Os sintomas apareceram mas não ligou muito. "Pensei que fosse cansaço", recorda este reformado de Vila Nova de Gaia que até foi enfermeiro militar. Após mais que um aviso do corpo, numa série de dias, decidiu ir descansar para Fátima. Acabou no Hospital em Coimbra numa noite de agosto. "Senti que tinha chegado a minha hora." Sobreviveu mas com sequelas. Tem implantado um cardiodesfibrilador já que ficou com 30 % do coração morto. "Custa 25 mil euros um cardiodesfibrilhador e serve para impedir a morte súbita do doente", explica João Brum da Silveira.
O magistrado Ribeiro Soares, 64 anos, também vive com um cardiodesfibrilador implantado. Estava a preparar-se para a meia-maratona de Londres e fazia o habitual treino de 10 km numa passadeira de ginásio. "Não tive dor no peito mas senti um mal-estar permanente." Parou por minutos e tentou recomeçar. Ainda tomou um café e ganhou forças. Mas quando saía do ginásio "suava sem parar". Chamado o INEM, foi levado para o Hospital de São João. Ali teve nos dois seguintes duas paragens cardiorespiratórias. "Ressuscitaram-me no hospital. É mesmo enfrentar a morte", diz o procurador do Ministério Público que gosta de se colocar como "um caso feliz". Por estar vivo, a trabalhar, mercê do excelente trabalho da equipa que o tratou no São João. O conselho é sempre ouvir os médicos para recuperar bem: "Confiar e cumprir aquilo que nos dizem que devemos fazer."