Spielberg: "O que inflamou a minha imaginação quando era criança foi o medo"

Steven Spielberg é um dos realizadores entrevistados por James Cameron em "A História da Ficção Científica", que esta sexta-feira estreia no AMC.
Publicado a
Atualizado a

Como os pais achavam que a televisão exercia uma má influência sobre as crianças, Steven Spielberg perdeu muitas "daquelas séries boas de detetives dos anos 50". E como vivia privado delas, começou a criar os seus próprios formatos. Este é uma das histórias que o autor de E.T, Parque Jurássico, Tubarão ou Encontros Imediatos conta a James Cameron, sentados frente a frente, enquanto as câmaras gravam a conversa.

Esta e outros histórias, contadas por aqueles que são hoje referências da ficção científica fazem a série documental Uma História da Ficção Científica, que esta sexta-feira, dia 7, às 22.50, chega ao AMC. E quando James Cameron se confessa a "honra insana de entrevistar Steven Spielberg - "muitos dirão que quiseram fazer o que fazem depois de verem os seus filhos" -, este responde-lhe que "há sempre alguém à nossa frente", e lembra George Pal e a amizade de 19 anos com Stanley Kubrick, que começou na rodagem de The Shining (a que o autor de E.T. assistiu) e prosseguiu em "maratonas de oito e nove horas de conversas telefónicas em que almoçávamos e jantávamos os dois ao telefone".

A História da Ficção Científica desenrola-se em seis episódios, cada um deles dedicado a um tema 'clássico' do género. A saber: Vida alienígena, Exploração do Espaço, Monstros, Futuros escuros, Máquinas inteligentes, Viagem no Tempo. A cada um corresponde uma pergunta lançada às estrelas que têm moldado a ficção científica. George Lucas, Arnold Schwarzenegger, Zoe Saldana, Guillermo del Toro, Christopher Nolan, Sigourney Weaver, Ridley Scott e, claro, Steven Spielberg, de quem publicamos um excerto da entrevista a James Cameron.

O princípio dos princípios: o medo

"Penso que o que inflamou a minha imaginação quando era criança foi o medo. Precisava de qualquer coisa que me protegesse contra tudo o que tinha medo, o que era quase tudo quando escurecia. Os meus pais achavam que a televisão - e isto foi nos anos 50 - era a pior influência para uma criança. Eu não sei como o sabiam antes da era [Marshall] McLuhan, mas eu não podia ver Dragnet ou M Squad, nem nenhuma daquelas séries boas dos anso 50."

Feiticeiro de Oz e Bambi, os filmes de terror de Steven Spielberg

Quando James Cameron pergunta a Steven Spielberg, nascido em 1946, se as proibições dos pais permitiram que não tivesse medo dos macacos voadores de O Feiticeiro de Oz, o realizador conta que ficava "aterrorizado".

"E ficava aterrorizado com o incêndio na floresta de Bambi. Deve ter-me assustado mais do que o diabo que sai da montanha em Fantasia", conta.

"Penso que como algo faminto de media pelo que os meus pais consideravam certo, comecei a imaginar os meus próprios programas. Se não podia ver televisão, sonhava com qualquer coisa para me divertir."

E antes mesmo de começar a fazer pequenos filmes numa câmara 8 mm, o realizador usava papel e lápis. "Desenhei muitas imagens horríveis".

Assustar os assustadores, o efeito de A Invasão dos Discos Voadores

"Quando vi pela primeira vez A Invasão dos Discos Voadores [1956] no cinema, fiquei aterrorizado por ver a cara", lembra. "Quando cheguei a casa comecei a desenhar variações, não para me acalmar a mim mas para as fazer mais assustadores do que os realizadores tinham feito. Mais assustadoras do que aquela que me tinha assustado a mim."

Tubarão e outros monstros, reais

No seu percurso, Spielberg assinou mais filmes de ficção científica do que de outro género (e toca todos). De Encontros Imediatos de Terceiro Grau (1977) e E.T (1982), passando por Parque Jurássico (1997), Inteligência Artificial (2001) ou Guerra do Mundos (2005), e, claro, Tubarão, que James Cameron traz para a mesa durante a entrevista: "Assustou de morte muitas pessoas com Tubarão. Certo? Monstros, não é. E os extraterrestres são muitas vezes monstros. Mas não sempre. Usou uma visão alternativa dos alienígenas com os Encontros Imediatos".

"Acho que tudo começou com bomba atómica a explodir em Hiroshima e Nagasaki. A primeira influência foram os japoneses. Certamente, o Godzilla de Toho foi o primeiro filme que tocou num medo cultural e nacional do que já tinha acontecido ao país. A partir dessa altura, tudo o que vinha da Baía de Tóquio ou do céu à noite era agressivo e hostil. Tive a minha quota-parte disso em miúdo, vi todos os filmes série B de horror. Vi todos os filmes da Allied Artists. Vi todos os filmes de horror Monogram. Vi os filmes Hammer. Tudo. E não conseguia encontrar um extraterrestre decente que me quisesse fazer conhecê-lo melhor. Todos queriam destruir a raça humana.

O primeiro título de E.T.

Apresentado aos mistérios dos céus pelo pai, que lhe mostrou os as luas de Júpiter, Spielberg explica que o primeiro título pensado para E.T, foi Watch the Skies, olhar os céus em portguês. "Que era a última deixa de The Thing [From Another World", de 1951.

Com pai, o jovem Steven Spielberg lia livros de ficção científica da coleção Amazing Stories e assistiu a uma chuva de meteoritos, a chuva Leonid. "Só sei o que foi essa chuva, porque ao longo dos anos o meu pai me lembra qual foi! Eu era muito novo. Nós vivíamos em Camden, New Jersey, portanto eu devia ter cinco anos. Acordou-me a meio da noite - é um pouco assustador o teu pai entrar no quarto ainda escuro e dizer 'vem comigo'". Foram para um local em New Jersey, onde ao lado de centenas de pessoas sentadas em toalhas de piquenique, viram os céus.

A cena lembra Encontros Imediatos, realça James Cameron. "Completamente", responde Spielberg.

"Uma das coisas mais importantes para um realizador, pelo menos um que faz o tipo de histórias de espanto e maravilha em que nós estamos interessados, é permanecer criança". Parte disso significa "lutar contra o natural cinismo", diz o realizador. "É uma batalha".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt