É apresentado como um disco sobre a perspetiva feminina, "de homenagem à esposa, à mãe, à trabalhadora"... A toda a mulher, enfim, que ao longo da vida foi alvo de contrariedades, dificuldades e injustiças, mas consegue sempre levantar-se e seguir em frente. Abordando temas como a violência doméstica, a saúde mental, as oportunidades perdidas e o amor - ou falta dele -, Stereossauro faz de Tristana, o título do seu novo trabalho, um manifesto pela (melhoria) da condição feminina, porque, defende em conversa com o DN, "é importante tomar posição pelas causas em que acreditamos. A mulher, de uma forma geral, tem entraves que o homem não tem e isso acontece em todo o mundo, não é preciso ser muito militante para o perceber, até na religião o estatuto é diferente"..Para isso e ao contrário dos dois aclamados trabalhos anteriores, Bairro da Ponte (2018) e Desghosts & Arrayolos (2021), em que contou com diversos artistas convidados para dar voz às suas letras, neste todos os temas são cantados por uma única artista, a debutante Ana Magalhães. "Queria muito fazer um disco inteiro com ela e também por isso procurei encontrar uma temática em que ela se reconhecesse", explica. Conheceram-se através de um amigo comum, o já falecido produtor Razat, e desde há muito que falavam "em fazer algo" juntos, sem nunca o terem concretizado. "É uma grande amiga, já de há muito tempo. Quando nos conhecemos, disse-me que cantava fado e que gostaria de fazer qualquer coisa comigo, mas na altura nem liguei muito, confesso. Mas como estou sempre a compor e a escrever novas letras, na altura em que estava a preparar o álbum anterior enviei-lhe dois temas. Quando os enviou de volta arrependi-me logo", recorda com humor. Os tais dois temas acabariam por nem entrar em Tristana, pois, assegura, "todo o disco foi escrito de raiz a pensar na voz dela". E apesar de não parecer, foi a primeira vez que Ana Magalhães gravou num estúdio, pois até então apenas cantara fado ao vivo, de forma amadora..O resultado é um álbum "intimista e realista", de tons noturnos, em que a voz do fado e a guitarra portuguesa (apesar de tudo menos presente) se voltam a misturar com sintetizadores e caixas de ritmos, numa fusão entre música tradicional portuguesa e eletrónica que é a imagem de marca do DJ e produtor de 45 anos, natural das Caldas da Rainha, onde também se formou em Design Industrial e cujo nome verdadeiro é Tiago Norte. "Foi um caminho iniciado em 2007, com a remistura do Verdes Anos, do Carlos Paredes e hoje acaba por ser algo que sai naturalmente. Um dia perfeito para mim é estar em casa a ouvir e a samplar velhos discos de fado, a descobrir novas batidas para os meus temas", revela. Em paralelo continua com outros projetos, em parceria, por exemplo, com o saxofonista Cabrita ou com DJ Ride, seu companheiro de sempre nos Beatbombers, mas também com os inúmeros artistas de hip-hop com quem colabora. Mesmo assim, admite, que com estes últimos tenta sempre introduzir alguma dessa linguagem mais tradicional ou lusófona. "Não me sinto muito confortável a samplar os clássicos da Motown, que toda a gente já usou em todo lado. Prefiro antes encontrar algo na pop ou no rock português dos anos 60 ou 70", afirma..Mesmo assim, confessa, para este disco "quis mudar algumas fórmulas, mas ao mesmo tempo manter a identidade e direção" que já se tornou a voz de Stereossauro. "Nos últimos dois álbuns tive o privilégio de poder trabalhar com pessoas muito maiores que eu, todos eles artistas com uma importância enorme na música portuguesa. Foi uma verdadeira bênção, mas agora queria fazer um disco mais simples, só com uma pessoa a cantar, até para o poder levar para a estrada tal e qual como ele é", explica o DJ e produtor, que contou também com a colaboração de Ricardo Gorda na guitarra portuguesa no tema Nome de Mulher e da acordeonista Sandra Batista (Sitiados, A Naifa) em Pouca Terra. "Será um espetáculo mais focado neste disco, mas também com alguns temas dos álbuns anteriores, todos eles cantados também pela Ana", desvenda. A primeira apresentação será já no dia 18 de março, numa antiga igreja, nas Caldas da Rainha, seguindo-se depois a habitual digressão por salas nacionais. "É importante para nós a apresentação ser nas Caldas, porque somos os dois de lá e porque já devo isso aos meus amigos, que se estão sempre a queixar de quase nunca tocar na cidade"..dnot@dn.pt