Spike Lee e David Byrne num show em exclusivo no cinema Ideal

Da Broadway para o grande ecrã - Spike Lee a filmar o espectáculo de David Byrne no Teatro Hudson. Um filme-concerto estreado à última da hora somente no cinema Ideal até quarta-feira.
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Não temos concertos com o público a dançar bem juntinho? Valha-nos Spike Lee que filmou para a Universal o espetáculo da Broadway David Byrne's American Utopia, uma versão para sala de teatro que o líder dos Talking Heads já tinha trazido para Cascais no EDP Cool Jazz. Ao contrário do exuberante (e ventoso) concerto do hipódromo, o que Lee filma é exatamente um conceito de mistura de espectáculo de rock com musical da Broadway.

Coreografia milimétrica e um imenso conceito de palco onde não existem fios e apenas o público e os músicos num cenário despedido. Byrne chega mesmo a dizer "só nós". Poderia-se pensar que era fácil a missão de Lee perante um grandioso espectáculo cénico, mas o mérito do realizador oscarizado é oferecer-nos um filme-concerto que chega aos fãs de musicais da Broadway e da música pop.

Um feito que é também um ensaio sobre a proximidade da câmara em territórios de palco. Lee não abusa dos "zooms" nem dos seus tiques visuais, prefere antes povoar todo o palco com um intenso sistema de multi-câmaras. É como se ficasse contagiado pelo ritmo de canções como Once in a Lifetime e Road to Nowhere. Um contágio que se estende ao espetador. É impossível não ver este filme sem abanar a perna ou a cabeça - mais do que nunca é para ser visto num cinema e não em casa numa versão pirateada.

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Estamos perante 11 músicos em palco, sem "playbacks", todos de cinzento e a tocar alguns dos clássicos de Byrne. Uma noção de musical da Broadway mas à qual não falta a aquilo que é de mais espontâneo num concerto de rock: a interação com o público e uma transcendência de celebração. Mais do que nunca, é também um libelo liberal político.

Aí Lee acentua a homenagem a quem foi morto por atos racistas, estando em destaque o nome de George Floyd e Marielle Franco. Para além disso, nas intervenções de Byrne há uma dose substancial de consciência política: do apelo ao voto à simbólica crítica ao sistema. Tudo isso perante um pano de fundo onde a utopia americana apela a um balão de oxigénio que é elevado perante o lado positivo dos temas de Byrne. Aí Spike Lee é apenas cúmplice e não complica.

David Byrne's American Utopia é sobretudo diversão da maior mas filmada com uma acutilância que o transforma em gesto político. Lee é perito em tirar aquilo que de mais humano sai desta bravura de um dos grandes músicos do nosso tempo para, no fim, nos levar à boleia da bicicleta do músico nas ruas de Nova Iorque.

Depois da estreia no Festival Porto/Post/Doc, trata-se de um acontecimento cinematográfico estreado à última hora e sem legendas em português. Pode não ser um novo Stop Making Sense, filme-concerto de Jonathan Demme, mas lá que é um barómetro desta América carregada de contrastes, disso ninguém tem dúvidas.

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