Em jovem, Recep Tayyip Erdogan jogava futebol num clube de bairro. Mas quando o Fenerbahçe o tentou contratar, o pai terá dito não. Perdeu-se um futebolista, ganhou-se um político. Foi pois na universidade Marmara de Istambul, onde estudava Gestão, que conheceu Necmettin Erbakan, aquele que se viria a tornar no primeiro (e efémero) chefe de governo islamita da Turquia. Foi o ponto de viragem para Erdogan. Educado numa família religiosa, filho de um guarda costeiro que em adolescente vendia limonada e sementes de sésamo pelas ruas de Istambul para ganhar uns trocos, aderia ao movimento islamita..A ascensão do filho de um guarda costeiro foi fulgurante. Em 1994, com apenas 40 anos, foi eleito presidente da Câmara de Istambul. E até os seus maiores críticos admitem que fez um excelente trabalho à frente da maior cidade do país, tornando-a mais limpa e mais verde. Mas cinco anos depois, acabava destituído e obrigado a cumprir quatro meses de prisão por incitamento ao ódio religioso, depois de ter lido um poema nacionalista em público que dizia: "As mesquitas são os nossos quartéis, as cúpulas os nossos capacetes, os minaretes as nossas baionetas e os fiéis os nossos soldados"..Foi então que decidiu criar o Partido da Justiça e do Desenvolvimento, o AKP, com o seu aliado Abdullah Gül, que acabaria mais tarde por assumir a presidência. Mas quando o AKP vence as eleições de 2002 de forma esmagadora, não pode ser Erdogan o primeiro-ministro por ainda estar banido da política. Teria de esperar pelo ano seguinte para assumir a chefia do governo. Repetiria a vitória nas eleições de 2007 e 2011, antes de deixar a liderança do partido, apenas para se tornar no primeiro presidente diretamente eleito da História da Turquia em 2014..O sucesso do "sultão".Apoiado pelos setores muçulmanos mais conservadores, muito popular nalgumas regiões da Anatólia, onde o seu carisma e caráter irascível, bem como a sua defesa de que se quem o quiser fazer deve poder expressar as suas convicções religiosas de forma mais aberta são aplaudidos. Mas se o presidente nega querer impor os valores islâmicos e estar empenhados no laicismo herdado de Ataturk, o fundador da Turquia moderna, não convence os críticos que o apelidam de "sultão"..Casado com Emine, a primeira dama que aparece sempre de lenço a cobrir-lhe os cabelos nas cerimónias oficiais, Erdogan tentou criminalizar o adultério e impor zonas livres de álcool. Grande parte da sua popularidade está associada ao sucesso económico da Turquia nos anos que passou no poder, com taxas de crescimento que rondaram a média de 4,5% na última década..Apesar das sucessivas vitórias nas eleições - em 2015 o AKP já sem Erdogan à frente perdeu a maioria absoluta, para a recuperar pouco depois num segundo escrutínio - não falta quem veja em Erdogan tendências autoritárias senão mesmo ditatoriais. Um sonho de grandeza que se materializou no palácio gigante que mandou construir em Ancara e que com as suas mil salas custou bem mais do que os 600 milhões de euros previstos. E até achou que a Primavera Árabe seria a sua grande oportunidade de surgir como inspirador numa nova esfera de influência otomana..Confrontado com ataques tanto dos curdos do PKK como do Estado Islâmico, instalado na vizinha Síria e responsável pela fuga dos mais de 2,5 milhões de refugiados que hoje vivem na Turquia, Erdogan tem sido acusado de perseguir e silenciar os opositores, sejam eles políticos, jornalistas ou apoiantes de Fettulah Gülen, o clérigo islâmico que vive no exílio nos EUA e chegou a ser seu aliado no passado. Ontem Gülen foi o primeiro que Erdogan acusou de estar por detrás da tentativa de golpe militar contra ele. Ora o exército, visto como guardião da laicidade e responsável por pelo vários golpes nos anos que antecederam a chegada de Erdogan ao poder, era outro sector que se julgava estar controlado pelo presidente..O homem que nos últimos meses afastou primeiro Gül e depois o primeiro-ministro Ahmet Davutoglu - cujo protagonismo, sobretudo depois de negociar o acordo com a União Europeia sobre o refugiados deve ter desagradado ao presidente - , fez ainda as pazes com a Rússia e Israel. Aproveitando que Bruxelas precisa desesperadamente da Turquia para travar a crise migratória, Erdogan procurou também acelerar o processo de adesão turco à UE, que se arrasta há décadas..Aos 61 anos, Erdogan não esconde a ambição de ficar no poder até 2023 - ano do centenário da criação da Turquia moderna por Ataturk. Pelo sim pelo não, diz-se que anda a preparar o genro para lhe suceder. Casado com a filha mais velha do presidente (que tem mais uma filha e dois filhos), Berat Aalbayrak é ministro da Energia desde 2015.