Portugal empatou ontem com os Estados Unidos (0-0) e disse adeus ao primeiro Mundial de futebol feminino da sua história, que podia ter um final diferente caso o remate de Ana Capeta, já depois dos 90 minutos, tivesse entrado em vez de bater no poste e frustrar o sonho português da passagem aos oitavos de final. "Essa bola ao poste ninguém se vai lembrar amanhã. O orgulho que sentimos umas pelas outras vai sempre permanecer", disse a autora do remate, talvez tentando mentalizar-se para aquilo que jamais a vão deixar esquecer..As portuguesas ficaram assim a "um poste" do objetivo (em jeito de sonho), embora o feito maior tenha sido a presença de Portugal no primeiro Mundial (depois de duas participações em Europeus). O empate no Eden Park, na Nova Zelândia, não chegou para a seleção continuar em prova, uma vez que os Países Baixos golearam o Vietname (7-0) e apuraram-se na liderança do Grupo E. Mas deixar o Campeonato do Mundo com quatro pontos num agrupamento em que teve de enfrentar a bicampeão mundial e as finalistas de 2019 é um enorme feito das 23 navegadoras, cognome da equipa, que chegam amanhã a Lisboa (às 12.35).Para a história fica ainda a vitória frente às vietnamitas (2-0, com golos Telma Encarnação e Kika Nazareth), além do desaire com as neerlandesas na estreia e pela margem mínima (1-0). Ontem, pela primeira vez em 15 jogos, os Estados Unidos não marcaram qualquer golo..A seleção nacional esteve perto de protagonizar um dos "maiores escândalos" da história do Campeonato do Mundo de futebol feminino, segundo a imprensa norte-americana. "Os Estados Unidos sobreviveram mas, se não fosse um poste, tinham sofrido a maior derrota da sua história", escreveu o USA Today, enquanto para o Washington Post, os EUA acabaram salvos pelo "milagre do poste"..Tudo isto são elogios a Portugal, que teve mais posse de bola e a melhor oportunidade de golo (Jéssica Silva) na primeira parte, além da tal bola no poste, obra de Capeta. "Acabo por nem ver o meu remate, porque caí no chão e só vi a bola a ressaltar no poste. Confesso que sonhei naqueles milésimos de segundo em que fui ao chão. Sonhei que poderíamos estar a fazer história e eliminar os EUA pela primeira vez (...) Estragar a série da Netflix ia ser qualquer coisa, mas pronto", confessou a jogadora, aludindo ao facto da plataforma de conteúdos streeming estar a gravar um documentário em pleno Mundial da Austrália e Nova Zelândia sobre a seleção dos EUA..Elas já têm valor no mercado. Seleção vive revolução mediática .No primeiro jogo oficial entre as duas seleções - os outros dez foram particulares e todos acabaram com vitória das norte-americanas -, a equipa das quinas fez um das melhores exibições da história frente a uma seleção que venceu quatro dos oito Mundiais já jogados desde 1991 e que representa 9,5 milhões de jogadoras (quase tanto como a população portuguesa)..O selecionador norte-americano, que na véspera tinha avisado que o encontro com Portugal "não seria um passeio no parque", teve dificuldade em ler a estratégia de Francisco Neto, que aprisionou o talento de Alex Morgan e Sophia Smith numa teia defensiva liderada por Ana Borges e Carole Costa..A meio do segundo tempo ainda recorreu à campeoníssima Megan Rapinoe, que assim que entrou agitou o jogo e as bancadas, mas o resultado não se alterou. Impressionante a forma como a capitã dos EUA é idolatrada pelos adeptos e continua a alimentar a ambição de um novo título aos 38 anos..Dolores Silva capitaneou a seleção nacional em dois dos três jogos e, segundo ela, "não dá sequer para explicar" o orgulho que sentiu em ouvir A Portuguesa num Mundial. "Todas as meninas que nos viram... Entrámos em campo por todas elas, para sermos uma inspiração para todas as mulheres de Portugal. Não posso estar mais orgulhosa deste grupo. Fica um sabor muito frustrante, agridoce, por aquilo que poderíamos ter acabado por conseguir", desabafou, esperando que, a partir de agora, "olhem para a jogadora portuguesa com mais respeito e dignidade, porque talento há.".Para Ana Borges, o objetivo "ficou a um poste de distância" e nem vale a pena proclamar que o resultado foi injusto. E se os portugueses podem estar orgulhosos das jogadoras, elas também têm "muito orgulho de ser portuguesas", segundo a mais internacional de sempre (162 jogos) já com 33 anos..Já Kika Nazareth fez um esforço enorme para controlar as emoções na hora de fazer um balanço, ainda a quente, do adeus Mundial. "Faltou-nos um bocadinho de sorte, o resto esteve lá. O talento, o trabalho, a equipa, o esforço e a dedicação", disse a mais jovem (20 anos) e mais promissora das 23 eleitas de Portugal para o Campeonato do Mundo - a média de idade da seleção é de 26 anos, o que significa que a maior parte deste grupo ainda poderá jogar mais um Mundial e um Europeus, uma vez que só seis atletas têm mais de 30 anos..Agora, "isto [do futebol feminino] tem tudo para andar para a frente em Portugal", segundo Kika. E também por isso, ainda lavada em lágrimas, Jéssica Silva pediu: "Não se esqueçam de nós, continuem a dar-nos a mão porque este grupo é incrível." Para Tatiana Pinto "faltou um bocadinho de sorte", avisando que, a partir de agora, "é obrigatório estar sempre as melhores seleções e chegar sempre o mais longe possível". O futuro é promissor. .. e passa já pela Liga das Nações. Portugal, França, Noruega e Áustria vão lutar pelo primeiro troféu de setembro até dezembro..O selecionador nacional enalteceu uma das "melhores exibições" dos últimos anos de "um Portugal incrível" durante todos os minutos do Mundial. "As jogadoras foram brilhantes, interpretaram à risca aquilo que era a nossa estratégia. Tivemos as nossas oportunidades e, para mim, as melhores do jogo. Não as conseguimos concretizar. Vamos embora, mas de cabeça erguida", disse Francisco Neto, lembrando que aquilo que hoje "é amargo, amanhã, será orgulho"..Um sentimento, que, segundo o selecionador, se deve estender a toda a gente que está envolvida no futebol feminino. E o presidente da Federação Portuguesa de Futebol, Fernando Gomes, promete continua a apostar na modalidade: "O futebol jogado por mulheres é uma oportunidade incrível para o próprio futebol se regenerar. Para voltar a acreditar em valores primordiais do desporto como o sacrifício individual em prol do coletivo, a defesa do espetáculo, o amor à camisola ou o respeito pelo adversário em qualquer circunstância.".O presidente da FPF acredita que depois da campanha no Mundial de 2023, o futebol feminino terá "mais praticantes, mais adeptas, mais dirigentes, mais treinadoras e mais árbitras". Para já, ainda não dá para contabilizar o impacto da presença no Mundial, mas segundo o plano estratégico, a FPF espera "chegar às 75 mil atletas em 2030" - são cerca de dez mil as federadas -, daí que o plano seja duplicar o investimento no futebol feminino..isaura.almeida@dn.pt