EUA. Uma seleção de direitos conquistados: Jogar, receber prémios iguais e ser mãe

Da lei Title IX ao <em>equal pay</em>. Alex Morgan e Megan Rapinoe são os rostos maiores da luta pela igualdade das jogadoras norte-americanas. Jogo com Portugal é na terça-feira e pode ser histórico para as portuguesas...
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A seleção dos EUA é uma espécie de Santo Graal do futebol feminino. Quatro vezes campeãs mundiais e olímpicas, as norte-americanas procuram fazer história com mais um título no Mundial que está a decorrer na Nova Zelândia e na Austrália, e são as próximas adversárias de Portugal (terça-feira), que alimenta o sonho de uma inédita passagem aos oitavos na estreia na prova.

Este Mundial é também símbolo do triunfo ativista das norte-americanas. Tudo o que elas têm hoje foi conquistado: conseguiram o chamado equal pay, que simboliza a igualdade de prémios ao serviço da seleção para homens e mulheres. E ser mãe... ou simplesmente poder jogar futebol foram outras das lutas que tornaram os EUA um exemplo e grande potência.

Olivia Moultrie ainda é uma ilustre desconhecida, mas aos 17 anos já tem um lugar na história do futebol feminino norte-americano juntamente com Hope Solo, Alex Morgan ou Megan Rapinoe. A jogadora ganhou uma causa em tribunal contra a NWLS (liga feminina norte-americana), que proibia menores de 18 anos de jogar. Profissional desde os 13, a prodígio acionou os tribunais para poder jogar, o que aconteceu no dia 3 de julho de 2021, levando a NWLS a abolir a regra da idade. Moultrie invocou que a MLS - a principal liga masculina de futebol dos EUA - não tinha limite mínimo de idade.

Foi uma espécie de Lei Bosman no desporto feminino norte-americano, que perpetua a luta pela igualdade, a imagem de marca da seleção feminina dos EUA.

Antes, em 2016, as cinco maiores estrelas da seleção norte-americana - Alex Morgan, Megan Rapinoe, Carli Lloyd, Hope Solo e Becky Sauerbrunn - apresentaram uma queixa à Comissão da Igualdade de Oportunidades de Emprego, acusando a federação norte-americana (US Soccer) de discriminação salarial. Eram campeãs do mundo e olímpicas e recebiam menos 40% do que os jogadores da equipa nacional masculina que nunca tinham passado dos oitavos de final de um Mundial.

Passados seis anos de luta intensa nos tribunais, a 22 de fevereiro de 2022 as jogadoras conseguiram a maior vitória das suas vidas fora de campo. Apesar de terem perdido a ação com a US Soccer em tribunal, a federação avançou para um acordo e ainda as indemnizou em 21 milhões de euros, a dividir por todas as que jogaram pelos EUA desde 2015.

"É uma vitória para nós. E é uma vitória para as jogadoras da próxima geração e para as de todo o mundo. Quando nós ganhamos, todas ganham", reagiu Megan Rapinoe, a irreverente capitã que usou o mediatismo das conquistas dentro de campo para lutar pelos direitos das mulheres jogadoras de futebol.

Rapinoe tem hoje 38 anos e vai retirar-se em breve, deixando um longo legado também na luta pela comunidade LGBTI+. Não fosse ela noiva de Sue Bird, estrela do basquetebol norte-americano.

A consciência social que faz a futebolista ser apoiante de movimentos como o #MeToo e o Time"s Up (contra o assédio sexual) e o Black Lives Matter (contra o racismo). E que em 2019 liderou a recusa da condecoração pelo título mundial na presidência de Donald Trump. Só foi à Casa Branca para receber a medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta condecoração civil do país, das mãos de Joe Biden.

A discriminação de género foi apenas um dos problemas com que as norte-americanas tiveram de lidar, tanto nas escolas como nas universidades. Em 1972, foi promulgada uma lei federal de direitos civis, a Title IX, que proibia qualquer discriminação de género nos programas nacionais apoiados pelo governo americano. Dessa forma, as escolas e universidades tiveram que criar projetos para as estudantes mulheres, o que ajudou a alavancar o futebol feminino no país.

A campanha que a Nike lançou em 1995 intitulada If You Let Me Play (Se me deixarem jogar) foi determinante para enfatizar os benefícios do desporto nos jovens e dez anos depois o desporto no feminino cresceu 25%. Atualmente, segundo um relatório da FIFA, 9,5 milhões de mulheres praticam futebol nos Estados Unidos.

Em janeiro de 2021, a FIFA anunciou medidas e proteção às jogadoras, impedindo que pudessem ser despedidas quando engravidassem e permitindo o regresso na fase da amamentação, obrigando os clubes a dar-lhes condições. Algo que a US Soccer já permite desde 1996. Alex Morgan (34 anos) é hoje uma da jogadoras que já são mães.

Em outubro de 2019, meses depois de ser campeã mundial, a avançada Alex Morgan anunciou que estava grávida de Servando Carrasco, também jogador de futebol. Charlie (na foto) tem três anos e acompanhou a mãe nos estágios até deixar de ser amamentada e vai juntar-se a ela no Mundial da Austrália e Nova Zelândia dentro de dias. "Charlie tem permissão para entrar no hotel, fazer refeições e ficar no meu quarto comigo. Ela poderá entrar no nosso ambiente sempre que quiser", revelou a jogadora, que tem 121 golos em 205 jogos pela seleção dos EUA.

Morgan não é a única mãe no grupo. Julie Ertz deu à luz Madden Matthew em agosto do ano passado e pensou que nunca mais iria jogar, mas voltou e está a ser um dos destaques da equipa.

Desde 2014 que a seleção lidera de forma ininterrupta o ranking a da FIFA. Tem quatro títulos mundiais (1991, 1999, 2015 e 2019) e quatro títulos Olímpicos (Atlanta 1996, Atenas 2004, Pequim 2008, Londres 2012).

Lideradas por Vlatko Andonovski, procuram mais um título. No Mundial entraram a vencer o Vietname (3-0) e empataram depois com os Países Baixos (1-1), numa reedição da final de 2019, em que bateram as neerlandesas.

Sophia Smith e Trinity Rodman são as novas estrelas em potência da seleção onde Morgan e Rapinoe ainda reinam.

isaura.almeida@dn.pt

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