#SOMOSOLIMPICAS, um sonho que morreu na praia

Seleção de andebol de praia foi a primeira a apurar-se para os Jogos Olímpicos da Juventude (Buenos Aires, 6 a 18 outubro), mas foi a preterida pelo Comité Olímpico Português por influência da FIFA. Uma história de três anos de trabalho que termina em revolta e frustração.
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O sonho começou e morreu na praia. A equipa de andebol de praia sub-18 começou um plano desportivo de três anos que projetava a qualificação para os Jogos Olímpicos da Juventude 2018 (6 a 18 outubro). Para isso, tinha de ficar entre as quatro primeiras do Euro sub-16 na Nazaré (3.º lugar) e entre as três melhores europeias no Mundial sub-17 de 2017 (4.º, terceira melhor do Velho Continente). Qualificação garantida. Ou não: uma série de incidências vedou-lhes o caminho. As jogadoras estão revoltadas e frustradas, Carlos Resende (que tem uma filha na equipa) fala de uma falácia criada pela FIFA, o selecionador Paulo Félix diz que tiraram "a cereja do topo" de um longo e frutuoso percurso. E até o Comité Olímpico Português (COP), que tomou a decisão, admite ser "uma grande injustiça".

"Nós estamos desde 2016 a trabalhar para isto [Jogos Olímpicos da Juventude, JOJ]. É uma frustração e uma desilusão. Foi uma decisão injusta e a destruição de um sonho alimentado durante três anos", diz ao DN Sara Pinho, 18 anos, jogadora do Alavarium/Love Tiles (pavilhão) e da Be One-Teclur (praia), que representou a seleção no Euro 2016 (sub-16), no Euro 2017 (sub-17) e Mundial 2017 (sub-17). "Após todos os estágios, todas as viagens e após três anos de trabalho da nossa parte, com inúmeras desigualdades, em que quase não tínhamos roupa de seleção, montávamos os campos, carregávamos balizas e muitas outras coisas... Com o pouco que nos davam fazíamos muito e nunca deixámos ninguém mal. Sentimos que nos deixaram a nós!", desabafa também ao DN Vivi Silva, 17 anos, presente nas três competições acima mencionadas e atleta do CALE (pavilhão) e do EFE Tigres (praia).

"A FIFA ou a UEFA é que decidiram. Isto do futsal masculino não se qualificar é uma falácia, porque também se apuraram e depois houve ordens para que fosse retirada a candidatura. Nós não estamos contra a Federação Portuguesa de Futebol. Mas, como cidadão, sinto que estão a fazer-me de lorpa. A UEFA, ou a FIFA, escolheu contra as regras do Comité Olímpico Internacional [COI]", disparou Carlos Resende, pai da atleta Joana Resende, um dos melhores andebolistas da história nacional e treinador do Benfica. "Porque se o futsal masculino estivesse entre as candidaturas como devia estar por se ter qualificado, aí teriam de escolher o futsal masculino e o andebol feminino, que foram as seleções que obtiveram melhores resultados", acrescenta.

Equipa de futsal masculina retira-se

A retirada da equipa masculina de futsal, por indicação da FIFA, deixou o Comité Olímpico Português com a batata quente na mão: só podia eleger uma equipa feminina e outra masculina de entre as quatro modalidades coletivas (futsal, andebol de praia, râguebi e hóquei em campo). Quatro conseguiram apurar-se (as duas de andebol de praia e as duas de futsal) e optou pelas jovens do futsal (apuradas num dos grupos de quatro equipas, com três goleadas em três jogos - 31-1) e pelos jovens do andebol de praia (que falharam a qualificação, ficando em 7.º lugar no Mundial 2017 como quarta europeia, mas sendo repescados pela desistência de uma das três melhores europeias, a Espanha).

Injustiça, revolta, frustração: o mundo do andebol, rapazes incluídos, está em choque desde 6 de agosto. E criou uma onda nas redes sociais de apoio às andebolistas femininas: #SOMOSOLIMPICAS. Esse era o último dia para o anúncio da representação portuguesa nas modalidades coletivas e o COP emitiu um comunicado a explicar os critérios da opção pela seleção feminina de futsal (1.ª do ranking europeu) e da de andebol de praia masculino (quarta melhor europeia no Mundial 2017, promovida a terceira por desistência da Espanha).

"Em caso de qualificação de mais de uma equipa em um ou dois géneros, garantir-se-á a participação de uma equipa de cada género em modalidades distintas. Na circunstância de se qualificarem duas equipas do mesmo género, será selecionada aquela que tenha obtido a melhor classificação continental no evento de qualificação", explicou o comité presidido por José Manuel Constantino (estava fora do país e deixou os esclarecimentos para o departamento de comunicação do organismo). Contactado pelo DN, o Comité Olímpico Internacional clarificou: "Para os Jogos Olímpicos da Juventude há regras específicas definidas para aumentar a universalidade das equipas dos vários desportos. Cada CON [Comité Olímpico Nacional] tem a oportunidade de qualificar uma equipa de entre as quatro modalidades coletivas para os JOJ (futebol, râguebi, andebol e hóquei), no entanto, quando toca aos critérios de seleção, cada CON só pode levar uma equipa feminina e outra masculina de entre os quatro desportos. Cabe a cada CON escolher as equipas."

COP admite injustiça

E foi esta escolha, com as equipas aceites pelo COP para a seleção final, que mais ondas levantou: "Nesta circunstância, terminados os processos de qualificação e apuramento, foram comunicadas pelas respetivas federações internacionais as seguintes equipas nacionais consideradas elegíveis para os Jogos Olímpicos da Juventude - Buenos Aires 2018: 1. a) Andebol de praia feminino; 1. b) Andebol de praia masculino; 1. c) Futsal feminino", anunciou o comunicado de 6 de agosto.

"Quanto ao esquema da FIFA ou lá quem é que fez isso, não percebi bem o objetivo... Era para ter a certeza de que ia uma modalidade deles e as femininas eram as que tinham mais hipóteses, pois só concorriam connosco? Não percebi mesmo, mas pelo que percebi, se o futsal masculino fosse inscrito, provavelmente, como teriam de ir duas modalidades diferentes, as que iam em função das melhores classificações seriam o futsal masculino (ficaram em primeiro lugar, na mesma numa qualificação muito fácil) e nós que ficamos em 4.º no Mundial", questiona-se Luísa Cortes (18 anos, JAC Alcanena, no pavilhão, e Be One-Teclur, na praia), guarda-redes da equipa e uma das três "melhores jogadoras" que já nem fizeram o Euro sub-18 de 2018 por estarem a representar Portugal no Mundial sub-20 de pavilhão, tal como Beatriz Sousa (16 anos, destaque nas duas competições que valeram a elegibilidade: MVP do Euro sub-16; e Melhor Especialista no Mundial sub-17) e Joana Resende (17 anos), que já se estrearam pela seleção principal.

"O COI definiu que só podiam ir uma equipa feminina e uma equipa masculina, mas as federações internacionais é que decidiam os critérios. A FIFA decidiu que só podia ir uma equipa de futsal. Com os países a dizerem levo esta equipa deste desporto e esta daquele, foram-se preenchendo as quotas nas quatro modalidades coletivas e recebemos a informação da FIFA de que tinha de ir a equipa feminina de futsal. O COP inscreveu as quatro equipas até a FIFA dizer que não podia ir a masculina de futsal. Se achamos que é uma grande injustiça? Claro, mas tinha de haver condicionantes. O COP falou com o COI e as federações para ver como se podiam limitar os estragos. Mas a quota do COI era irredutível: duas equipas", explicou fonte do COP.

"O andebol feminino foi a primeira equipa a apurar-se, com o 4.º lugar no Mundial das Maurícias 2017", começa por dizer o selecionador feminino de andebol de praia, Paulo Félix. "A FIFA ou a UEFA disse que se houvesse duas equipas de futsal iria a feminina. E excluiu a masculina. O que revolta as miúdas é que têm muito melhores resultados, e nisso até os miúdos estão de acordo. E o formato do apuramento. Elas fizeram um Europeu sub-16 de 16 equipas em que apenas as melhores quatro se apuravam para o Mundial sub-17. Foram terceiras no Euro sub-16 da Nazaré em 2016 e conseguiram o acesso ao Mundial sub-17 de 2017, conseguindo o 4.º lugar como terceiras melhores europeias", defende Paulo Félix. "O apuramento do futsal foi um torneio europeu entre quatro seleções, três jogos e num fim de semana. Esta geração disputou quatro competições internacionais. Três Europeus e um Mundial. Tiraram-lhes a cereja do topo", conclui.

Resultados complexos

No entanto, a questão dos resultados é menos sorridente para as andebolistas de praia. De facto, no futsal o apuramento para os JOJ realizou-se num fim de semana, entre 1 e 4 de novembro de 2017 (no Pavilhão Vrnjacba Banja, na Sérvia, para os masculinos, que golearam nos três jogos Hungria (8-3), Ucrânia (8-4) e Sérvia (15-3) e se instalaram no 2.º lugar do ranking europeu atrás da Rússia. Nas mesmas datas, as femininas golearam Ucrânia (13-1), Azerbaijão (10-0) e Itália (8-0) e chegaram ao 1.º lugar do ranking europeu. Mas se o andebol de praia feminino conseguiu o 4.º lugar, terceiro europeu, no Mundial de 2017 (a prova que definia as vagas para os JOJ), a equipa masculina quedou-se pelo 7.º posto (quarta europeia, promovida a terceira por desistência dos JOJ de uma seleção, o que levou a EHF a convidar Portugal, que aceitou).

Na Federação Portuguesa de Futebol ficou-se com "a ideia de que ainda havia a possibilidade de ir a equipa de futsal masculino" e que o processo foi gerido exclusivamente pelo COP.

A revolta e frustração, essas, já não descolam de um grupo de uma dúzia de raparigas/mulheres que ultrapassaram dois torneios internacionais (um Europeu e um Mundial) com o objetivo bem claro do plano a três anos de trabalho: os Jogos Olímpicos da Juventude.

"Nós tivemos esse sonho, alegria e satisfação ao perceber que conseguimos um dos grandes objetivos, mas, agora, percebemos que tudo o que sentimos e vivemos nos foi roubado", atira Sara Silva, 18 anos, também presente no Euro 2016, Euro 2017 e Mundial 2017 e que representa o Colégio de Gaia, no pavilhão, e o EFE Tigres, na praia. "Passámos horas a fio a treinar, sem ninguém perceber o que estávamos a fazer às oito da manhã de top e cuecas na praia; passámos por várias viagens de horas e horas, fechados em aeroportos provando comidas que não conhecíamos; tivemos de lidar com várias pessoas a dizer que o andebol de praia era uma brincadeira. Tudo isto que carregámos às costas faz de nós as raparigas que somos hoje! E o que nos vai na alma não é aquilo que passou há um ano quando abrimos os braços ao nosso treinador e dissemos: 'Conseguimos, Paulo.' O que nos vai na alma é uma insatisfação, pesadelo e angústia por saber que o que somos e o que nos tiraram só mostra que não valemos aquilo em que realmente nos formámos e só mostra que nem todo o esforço é recompensado", lamenta-se a jovem.

Apuramentos das quatro equipas

ANDEBOL DE PRAIA

EURO 2016 EM SUB-16 (NAZARÉ, 8 a 10 de julho)

Masculinos: Espanha (1.º), Portugal (2.º), Itália (3.º) e Rússia (4.º)

Femininos: Holanda (1.ª), Espanha (2.ª), Portugal (3.ª), Noruega (4.ª). MVP: Beatriz Sousa

MUNDIAL 2017 EM SUB-17 (MAURÍCIAS, 11 a 16 Julho)

Masculinos (15 equipas): Espanha (1.º), Itália (2.º), Argentina (3.º), Rússia (4.º), Venezuela (5.º), Taipei (6.º) Portugal (7.º)

Femininos (14 equipas): Hungria (1.ª), Holanda (2.ª), Argentina (3.ª), Portugal (4.ª). Melhor Especialista: Beatriz Sousa

FUTSAL - QUALIFICAÇÃO EUROPEIA DO FUTSAL

FEMININO (Dois grupos de quatro equipas, apurou-se o 1.º de cada)

Qualificação no Pavilhão Municipal de Caminha - 1 a 4 de novembro de 2017

Portugal venceu o grupo com três vitórias em três jogos: Portugal 13-1 Ucrânia; Portugal 10-0 Azerbaijão; Portugal 8-0 Itália

Ranking Europeu

1 - Portugal; 2 - Espanha

MASCULINO (Quatro grupos de quatro equipas, apurou-se o 1.º de cada)

Qualificação no Pavilhão Vrnjacba Banja (Sérvia) - 1 a 4 de novembro 2017

Portugal venceu o grupo com três vitórias em três jogos: Portugal 8-3 Hungria; Portugal 8-4 Ucrânia; Portugal 15-3 Sérvia

Ranking Europeu

1 - Rússia; 2 - Portugal; 3 - Espanha; 4 - Itália

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