Silk Nobre é o nome do novo projeto musical de Fernando Nobre. E Fernando Nobre é sinónimo de música e teatro. O moçambicano, filho de pais cabo-verdianos, é há algum tempo presença assídua no panorama musical português, sobretudo na linhagem do funk. Passou pelas bandas Funky Messengers, Mister Lizard e Cais do Sodré Funk Connection e, lá atrás, em 1998, colaborou num disco de gospel com Sara Tavares. No palco, Nobre é formado pela Escola Superior de Teatro e Cinema, e já realizou mais de 50 peças na companhia Teatro da Garagem, onde fez parte do elenco durante mais de uma década..Silk Nobre é a personagem criada por Fernando, uma figura quase mítica que muitos alcunham de James Brown português. Agora com o disco Diz à Mãe que Está Tudo Bem, Fernando Nobre lança-se num registo diferente dos anteriores. Adjetiva-o como uma fase de estar e não representar, "de construir de trás para a frente", menos personagem mais Fernando. E reforça a ideia: "É olhar para esta foto [aponta para a capa do álbum], é homenagear, é perceber que as palavras são performativas e que podem mudar vidas. É uma abordagem mais profunda.".A conversa com o artista teve lugar no jardim do Palácio Anjos, em Algés, manhã calma, de sol, com uma esplanada guardada para os reformados e avós em pausa antes de irem buscar os netos à escola. Vestido com um blusão de cabedal preto - esse statement artístico -, enquanto alternava o café com o cigarro, Fernando Nobre contou como chegou a este disco que mistura muitos estilos, do funk ao semba [música e dança tradicional de Angola], do soul ao afrobeat, do rythm & blues ao zouk [ritmos de Guadalupe e Martinica] e ainda "à música de intervenção". Fernando, ou Silk Nobre, quis trazer para o novo disco África inteira, com os seus vários sons e estilos. "Já atingi uma idade que gosto de fazer as coisas como quero, sem imposições de outros. Queria fazer uma coisa em português e em criolo, e queria fazer funk em português, como já fiz anteriormente", conta..E, talvez por isso, o processo de escrita foi, pela primeira vez, a solo, "de fio a pavio". Partilha também que a maior parte das canções são influenciadas por histórias pessoais ou de personagens que conheceu, como é o caso do homem mais alto do mundo, o gigante Manjacaze [Gabriel Mondlane] que media 2,50 metros. O moçambicano, e que no tempo do Estado Novo veio a Portugal ser mostrado numa espécie de freak show e que mais tarde morreu tragicamente. "Fica doente e na miséria", relembra. O "gigante" está no disco de Silk Nobre na música Azul Terylene..Mas Fernando Nobre esmiúça ainda mais o que pretende dizer com o novo trabalho. "Este é um disco da geração que nasceu do 25 de Abril, uma geração cheia de esperança e de sonhos, mas que bateu de frente com a realidade. Por isso, há que enviar uma mensagem às nossas mães a dizer que, mesmo assim, está tudo bem - apesar de ela saber que não está. O problema é que, às vezes, a mensagem chega tarde demais. E quando falo de mãe, falo também de África. Toda a gente queria voltar, mas não o fez.".O espetáculo deste novo trabalho já foi apresentado no Capitólio, Lisboa, (no passado 31 de maio, com os Black Mamba) e já tem agendada a atuação no Festival Kalorama a 31 de agosto. Fernando Nobre quer mais, e quer leva o novo registo a vários locais: "A minha ideia é levar este disco ao mundo inteiro, às comunidades de emigrantes, dos tais retornados que nunca regressaram, só vieram, e eles estão em muitos locais, no Rio de Janeiro, em Amesterdão, em Londres...mas agora vou deixar o disco respirar. Sei, através do Spotify, que me ouvem no Panamá, Reino Unido, Japão, e percebo que está a chegar às pessoas", explica..Nobre quis fazer um disco de intervenção, sem política, mas que fala de política. "Começamos a ouvir umas frases que se ouviam nos Anos 1960. O "Vai para a tua terra preto!", "Vai para a tua terra brasileiro!"... Somos um país fantástico, de mistura, mas há questões que ainda têm de ser faladas, há uma espécie de regresso ao preconceito. Falo disso na música Eles Diziam.".O disco, disponível nos formatos vinil e digital, tem na sua vertente de streaming capítulos, com interlúdios, e que pretendem contar uma história. "Foi pensado como uma peça de teatro, com princípio meio e fim. Hoje em dia a disponibilidade das pessoas para ouvir é de 30 minutos, por isso lançam-se muitos EP, mas eu quis fazer um álbum para ser ouvido.".O artista conclui a conversa, em volta de mais um cigarro, diz-se despreocupado com o sucesso. "Não tenho ilusão da fama. O sucesso é tu estares bem, a tua família estar bem, cuidares da tua família e dos teus amigos e isso é o mais importante. Não é um disco com expectativas e sim para que as pessoas oiçam, curtam e pensem naquilo que lhes tenho para dizer.".filipe.gil@dn.pt