É ilegal nomear um chefe de gabinete? Um autarca pode ser constituído arguido por causa disto? Ribau Esteves, presidente da câmara de Aveiro, antigo secretário-geral do PSD e ex-deputado, não tem dúvidas: "Há leis que são difíceis de interpretar, esta não tem dificuldade nenhuma. E todos nós, autarcas, é aquilo que está na lei, escolhemos chefes de gabinete, adjuntos, secretários de gabinete, tudo é por nomeação. Não há dúvida nenhuma. É aquilo que todos nós fazemos há muitos anos, desde sempre"..Este "processo da Luísa Salgueiro [constituída arguida por nomear um chefe de gabinete sem concurso público] não tem qualquer sentido. A lei é clara. É como diz o outro: qual é a dúvida? Não há dúvida nenhuma interpretativa", afirma. E dá o seu próprio exemplo. "Sou presidente de câmara há 25 anos, já nomeei sete vezes chefes de gabinete, adjuntos e secretários e sempre de acordo com lei. Onde é que está a dúvida?".Ribau Esteves considera ser "fundamental que este erro grosseiro seja arrumado de uma vez por todas" porque, para além da suspeita "desagradável" colocada sobre a autarca de Matosinhos, tem um "efeito indireto em todos nós que cumprimos a lei, tal como ela cumpriu"..E que este processo acabe "mesmo", acrescenta, "tenha ou não a intervenção da senhora Procuradora-Geral da República. Esta suspeição alargada não pode continuar".."Se ela é arguida eu também sou. Também tenho de ser constituída arguida. Eu e todos os presidentes de câmara", diz Isilda Gomes, presidente da Associação Nacional dos Autarcas do Partido Socialista..A presidente da Câmara de Portimão até sugere que a "senhora Procuradora pergunte a todos os presidentes de câmara como é que nomearam o seu chefe de gabinete. É que não percebo como é que se faz uma interpretação destas. Já falei com milhentas pessoas e não percebemos o que é que se passa"..O procurador do DIAP do Porto considera no auto de constituição de arguida de Luísa Salgueiro, divulgado pela Sábado, que "o recrutamento da chefe de gabinete, sendo cargo de direção intermédia, deveria ter sido precedido de concurso público, não sendo suficiente o despacho de nomeação"..Até à hora de fecho, a PGR ainda não tinha respondido aos pedidos de esclarecimento do DN, nomeadamente sobre se sendo necessário "concurso público", como alegado, os restantes 307 chefes de gabinete, das outras autarquias, foram ilegalmente nomeados..A Associação Nacional dos Autarcas do Partido Socialista, que esteve reunida na noite de segunda-feira, em comunicado enviado ao DN, pede "a intervenção urgente da Senhora Procuradora-Geral da República, no sentido de rapidamente sanar este erro clamoroso, que mina a credibilidade da justiça, põe em causa a democracia e a imagem do Poder Local em Portugal"..Os autarcas socialistas contestam o "entendimento do Ministério Público" [ DIAP do Porto] considerando que se está "perante um erro judicial grosseiro uma vez que a nomeação dos Chefes de Gabinete deverá ser efetuada nos termos da lei, que conforme consta no art.º 43, da Lei 75/2013, no seu n.º 4 define que "os membros dos gabinetes de apoio à presidência e à vereação são designados e exonerados pelo presidente da câmara municipal, sob proposta dos vereadores no caso do gabinete de apoio à vereação, e o exercício das suas funções cessa igualmente com a cessação do mandato do presidente da câmara municipal"..Quase que parafraseando o "se ela é arguida eu também sou" de Isilda Gomes, os autarcas socialistas sublinham que o que fez a autarca de Matosinhos fizeram e fazem todos, por ser este "o enquadramento legal que teve por base a nomeação não só do chefe de gabinete de Luísa Salgueiro, como também de todos os chefes de gabinete dos autarcas subscritores desta tomada de posição"..Francisco Assis, antigo líder parlamentar do PS e eurodeputado, atual presidente do Conselho Económico e Social (CES), considera que "a senhora Procuradora-Geral da República tem o dever de se pronunciar sobre este estranho caso o mais rapidamente possível. Estamos perante um grave atentado ao funcionamento do Estado de Direito perpetrado por um Procurador da República".."Neste caso concreto, o erro é de tal modo clamoroso que exige uma imediata tomada de posição por parte da senhora Procuradora-Geral da República", reafirma, porque "o princípio da separação de poderes tem sido indevidamente invocado para proteger comportamentos de alguns titulares do poder judicial habituados a agir com um inadmissível sentimento de impunidade"..Mais ainda: "Se a PGR estiver de acordo com isto [a decisão do procurador do DIAP do Porto de constituir arguida a autarca de Matosinhos] tem de constituir arguidos esta gente: autarcas, ministros, todos os que por lei podem nomear. Não percebo como é possível um erro tão grosseiro. Eu próprio tenho uma chefe de gabinete e obviamente que não fiz concurso público, um chefe de gabinete e três adjuntos"..E "todos os que por lei podem nomear" são muitos. Desde os "308 presidentes de câmara, vereadores, ministros, secretários de Estado, primeiro-ministro, presidentes de organismos como a CES, Presidente da República e até a própria Procuradora-Geral da República", acentua fonte judicial ao DN.."A Lei n.º 75/2013, o Decreto-Lei n.º 11/2012, o Decreto-Lei n.º 262/88, a Lei n.º 7/96, o Decreto-lei 28-A/96 e o Decreto-Lei n.º 333/99 são algumas, poucas mais há, das normas jurídicas" que enquadram as regras a que estão sujeitos os diversos gabinetes..Tese que é defendida por fontes social-democratas ligadas à estrutura nacional do partido que consideram "estranho um procurador não saber a lei. É uma calinada que abrange todos os autarcas, ministros e por aí fora. Aquilo não tem jeito nem trambelho", dizem.."Nenhum de nós ao abrigo da lei vigente é obrigado a abrir qualquer tipo de concurso para os membros do gabinete, particularmente chefe de gabinete, secretário e adjuntos, etc. Estes cargos não carecem, segundo a lei, de qualquer tipo de concurso público", acrescenta fonte do PSD ligada às estruturas autárquicas.."O recrutamento da chefe de gabinete, sendo cargo de direção intermédia, deveria ter sido precedido de concurso público, não sendo suficiente o despacho de nomeação" e sendo assim, entende o procurador do Departamento de Investigação e Ação Penal do Porto, que tutela a investigação Operação Teia, Luísa Salgueiro "é suspeita de, em 27 de outubro de 2017, na qualidade de presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, abusando dos poderes e/ou violando os deveres inerentes às suas funções, e por influência conjugada de Joaquim Couto, Manuela Couto e José Maria Laranja Pontes (ex-presidente do IPO do Porto), e com intenção de conceder benefício, ter nomeado, em outubro de 2020, Marta Laranja Pontes, filha de José Maria Laranja Pontes (...) sem cumprimento dos requisitos legais"..Do emaranhado deste último episódio da Operação Teia, relevado pela Sábado, que envolve o ex-autarca socialista de Santo Tirso, Joaquim Couto, e a sua mulher, Manuela Couto, e investiga dezenas de ajustes diretos por "violação das regras da contratação pública" que teriam favorecido as empresas de Manuela Couto na obtenção de contratos com autarquias e outras instituições públicas, como o IPO do Porto, ressalta a "suspeita" de que uma parte das adjudicações do Instituto Português de Oncologia do Porto à empresa de Manuela Couto terão sido uma alegada contrapartida pela suposta influência de Joaquim Couto junto de Luísa Salgueiro para que a filha de José Maria Laranja Pontes fosse nomeada chefe de gabinete na Câmara de Matosinhos..Maria Laranja Ponte, que trabalha na câmara desde 2010, foi designada adjunta do gabinete de apoio à presidência a 23 de outubro de 2017 - ano em que a atual presidente da Associação Nacional dos Municípios Portugueses recuperou a autarquia para os socialistas..Em 2020 - o despacho é de fevereiro - Marta Laranja Pontes foi nomeada chefe de gabinete. De 1 de setembro de 2010 a 22 de outubro 2017 foi técnica superior na Câmara Municipal de Matosinhos, divisão de Promoção da Economia Local e Turismo. É atualmente vereadora com os pelouros da Promoção e Apoio a Atividades nas Áreas do Desenvolvimento Económico, Dinamização do Turismo, Defesa do Consumidor e Proteção Civil..As buscas da PJ no âmbito da Operação Teia aconteceram em 2019.