Soldado do futuro. Concurso do Exército marca passo há mais de um ano

Quando parecia que finalmente o Exército ia poder comprar o moderno equipamento para os soldados, surge uma nova impugnação e trava, pela terceira vez, o processo.
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A compra dos modernos equipamentos para o designado "soldado do futuro" do Exército voltou a ser adiada, depois de mais de um ano de avanços e recuos. Os militares continuam à espera do material novo para missões especiais.

Tem sido um concurso cheio de imprevistos pouco vulgares. Desde que teve início, em setembro de 2018, este processo lançado pelo ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes conta já com três reveses, o último dos quais nesta semana, quando a empresa preterida impugnou a adjudicação que tinha sido decidida pelo júri no início do mês.

Este concurso faz parte do programa Sistemas de Combate do Soldado, no valor total de 171 milhões de euros, no âmbito da Lei de Programação Militar, uma das maiores apostas do governo socialista. Pretende-se equipar os soldados com fardamentos e equipamentos de proteção individual modernos e resistentes, o que lhes permitirá uma maior capacidade de sobrevivência em missões de alto risco.

Nestes lotes de material, no valor de 20 milhões de euros, seriam adquiridas peças como "monóculo intensificador de imagem, apontador iluminador, lanterna tática, monóculo térmico e monóculo de localização de alvos, entre outros".

A empresa que tinha sido eliminada na primeira fase e depois repescada não se conformou com a decisão do júri de só lhe ter adjudicado um dos seis lotes em concurso. A impugnação foi confirmada ao DN por fonte oficial da empresa (Antero Lopes Lda.), que não quis fazer comentários.

Garantia bancária só para um

O primeiro imprevisto deste concurso aconteceu logo na fase inicial. Apresentaram-se 12 candidatos, mas só um reunia todas as condições exigidas no caderno de encargos. A NTG Lda. era a única que tinha conseguido apresentar uma garantia bancária de capacidade financeira.

Conforme o DN noticiou na altura, perante essa situação insólita, o chefe do Estado-Maior do Exército, tenente-general Nunes da Fonseca, decidiu revogar o concurso, em dezembro de 2018, depois de ter recebido um parecer nesse sentido dos seus serviços.

As empresas foram notificadas pelo Comando da Logística sobre a "não adjudicação do procedimento BOO94 /2018 - aquisição por lotes de diversos equipamentos no âmbito do projeto de sistemas de combate do soldado".

O Exército sublinhava que se verificou "por parte dos operadores económicos uma grande dificuldade na obtenção" das declarações bancárias exigidas, nos termos de um anexo do Código de Contratação Pública, "para efeito de prova dos requisitos mínimos de capacidade financeira".

Segundo ainda o despacho do Estado-Maior do Exército, a que o DN teve acesso, essa "dificuldade" tinha que ver com o facto de essa declaração obrigar a instituição bancária ao compromisso de "disponibilizar ao candidato uma linha de crédito no valor global dos contratos que eventualmente lhe fossem adjudicados, no âmbito do procedimento e durante a totalidade do prazo de execução dos subsequentes contratos".

Vários candidatos tinham reclamado porque "o que estava em causa era o meio de prova do requisito de capacidade financeira e não a capacidade financeira propriamente dita", pedindo que fossem aceites outros documentos financeiros que provassem também o referido requisito. Acusaram ainda o Exército de estar a limitar o princípio da concorrência.

"Pressupostos falaciosos"

Quem não gostou, está claro, foi a empresa vencedora. A NTG Lda. protestou, acusou Nunes da Fonseca de ter dois pesos e duas medidas e de basear a sua decisão em "pressupostos falaciosos".

Na impugnação administrativa enviada ao CEME a 31 de dezembro, na qual apresenta os motivos pelos quais a decisão de revogação deve ser anulada, a empresa refuta que exista "qualquer relutância" dos bancos em emitir a referida declaração a operadores económicos - desde que lhes sejam prestadas pelos mesmos as necessárias garantias.

Prova disso é que esta empresa o tinha conseguido - por o banco ter confiado na sua capacidade financeira - ao contrário do que tinha acontecido a outra empresa, apenas dois dias antes, nessa mesma instituição bancária, a quem foi recusada essa declaração.

Por outro lado, alegava a empresa que noutros concursos, processados em 2018, em que essa mesma garantia bancária foi exigida pelo Exército, várias empresas a obtiveram e aquelas que não o conseguiram foram excluídas.

Foi o caso de um concurso para rádios, em que cinco das seis empresas candidatas apresentaram a declaração, tendo sido excluída do procedimento a única que não conseguiu - curiosamente, uma das concorrentes que também falharam esse requisito no soldado do futuro.

Foi também o caso do concurso para equipamentos de comando e controlo, em que dois concorrentes apresentaram a declaração bancária e um foi eliminado por não a ter entregado.

Chefe do Exército volta atrás

Perante os argumentos da NTG Lda., o CEME Nunes da Fonseca protagonizou outro momento inédito: revogou o próprio despacho de revogação.

Em resposta ao DN na altura, o gabinete de Nunes da Fonseca justificava a decisão alegando que a mesma "não tinha sido precedida de audiência prévia dos interessados" - uma das reclamações também apresentadas pela NTG Lda.

O Exército sublinhou que "o procedimento pré-contratual segue a sua normal tramitação".

Mas ao contrário do que pensava a empresa vencedora, o que acabou por acontecer foi que, das 12 candidatas, o júri selecionou não só esta, mas também repescou a Antero Lopes, que tinha sido eliminada na primeira fase.

1, 2, 3 nem à terceira foi de vez

Segundo o relatório do júri datada de 3 de outubro, a que o DN teve acesso, "após a conclusão da fase de apresentação e análise das candidaturas, foi enviado convite aos candidatos Antero Lopes, Lda. e NTG, Lda. por cumprirem todos os requisitos de capacidade técnica e financeira definidos nas peças do procedimento".

Dos seis lotes de material, a NTG acabou por ganhar quatro (módulo de intensificador de imagem, apontador iluminador, beacon IFF e lanterna - no valor total de 11,3 milhões, sem IVA) e a Antero Lopes apenas ficou com o fornecimento do módulo de localização de alvos, no valor de 4,5 milhões sem IVA). Os monóculos térmicos não foram sequer adjudicados, por nenhuma delas apresentar os critérios exigidos.

A decisão do júri teve por base a pontuação obtida por cada uma das duas empresas depois de somados os requisitos da avaliação: mérito técnico e vantagem financeira.

A Antero Lopes não gostou, impugnou a decisão por considerar que a avaliação não tinha sido bem feita, suspendendo o processo de adjudicação.

O DN perguntou ao gabinete do ministro da Defesa que impacto estava a ter este atraso nas missões dos soldados, mas não obteve ainda resposta.

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