Regressou o sol, mas a vida vai áspera. Quatro em cada dez portugueses em idade ativa estão sem trabalho. A taxa que mede a relação entre empregados e a população total em idade ativa recuou para os 60,2%. Vai áspera a vida, e a OIT previne que a invernia precipitada pelo vírus prenuncia "uma crise sem precedentes no mercado laboral" cuja recuperação será "lenta, desigual e incerta"..O quadro é mais sério entre os jovens. Um em cada quatro dos que sonhámos serem a mais bem preparada geração de sempre está no desemprego, bem acima da média europeia. Com sorte, vai-se fazendo um biscate, trabalho precário.."A precariedade tem muitos rostos. Contratos temporários, contratos a prazo, contratos a termo certo, recibos verdes, estágios que se alargam a todas as faixas etárias, a lista não está completa." E cito apenas o arcebispo de Braga, por estes dias. O "flagelo" atinge sobretudo as gerações mais jovens cujas condições de trabalho e capacidade económica já eram muito fustigadas desde a crise de 2008 e que se aprofundaram com a pandemia, encolhendo horizontes e ambição, enfim, a possibilidade de construírem projetos de vida dignos desse nome..Os que viveram os alvores da revolução sabem que devemos deixar mais do que recebemos. Mas estamos a cortar as asas aos filhos da nossa democracia, madura de quase 50 anos, a quem legamos uma sociedade mais desigual. É difícil para os jovens crescerem no seu território, encontrar um emprego e casa digna, e a idade de serem mães e pais é cada vez mais adiada. A experiência de outras geografias, onde os sinais de radicalismo já se manifestam, demonstra que o maior desafio das democracias maduras é restaurar o contrato social entre gerações. Não escaparemos à vaga..A resposta tem de ser política, à escala europeia e nacional, injetando mais dinheiro na economia, para que ele chegue mais depressa às empresas, e para que estas invistam e criem mais emprego. É a hora da política, para conceber e executar as reformas que a artrose da burocracia e do sistema teima em bloquear. A bazuca não pode ignorar o alicerce social e, neste, a prioridade às novas gerações, afinal as que nesta guerra estão a dar mais o corpo ao manifesto..A hora apela à coragem e, porventura, a experimentar novas fórmulas. Fala-se em reduzir a jornada de trabalho para repartir o emprego; talvez seja a hora de o fazer, de ver como é. Devemos também regularizar os milhares de trabalhadores migrantes na agricultura, para humanizar o seu trabalho e agregá-los a uma atividade económica regular..E porque não investir dinheiro público para melhorar as contribuições dos trabalhadores que se dedicam ao emprego doméstico? Incluiríamos os milhares de mulheres desempregadas que permitem que outras famílias continuem a trabalhar. E como não pensar em investir mais nas comunicações, generalizando a fibra ótica e permitindo a criação de mais empregos diretos no interior, que reparem, por exemplo, os nossos ecossistemas degradados e o povoamento do território? No equilíbrio entre a tragédia e a esperança, Portugal pode ser um país melhor, e os nossos filhos não merecem menos. Vá lá, vêm aí dias de sol..Jornalista