Sofia Escobar (Guimarães, 1984) sente que está perante o papel da sua vida porque passará a ser a primeira Mary Cullen da história dos musicais. Depois de interpretar Maria em West Side Story e a Christine Daaé em O Fantasma da Ópera, a atriz e cantora portuguesa cumpre o seu sonho de criar uma personagem de raiz no musical O Médico, baseado no romance de Noah Gordon, que se estreia nesta quarta-feira no Teatro Nuevo Apolo de Madrid..A produção espanhola nasce da vontade do compositor e diretor musical Iván Macias. Foi ele quem emocionou o escritor norte-americano quando ouviu as suas músicas e percebeu que estava a escutar o seu livro. Sofia Escobar não tem dúvidas do sucesso que irá ter este musical e espera, um dia, que Portugal também arrisque para apresentar ao mundo uma produção própria..Sente que este é o papel da sua vida?.O papel de Mary Cullen é um papel maravilhoso. Tenho tido a sorte e o privilégio de, ao longo da minha carreira, apresentar papéis incríveis, icónicos do teatro musical como é West Side Story e O Fantasma da Ópera. Qualquer um deles marcou muito a minha carreira e vida pessoal, com desafios enormes a nível vocal e emocional. Em termos emocionais, este pode ser um dos papéis mais duros que tive o prazer de fazer. É uma personagem com imensas camadas e uma profundidade muito grande..Qual é o maior desafio?.O maior desafio é conseguir que a emoção que se pretende que ela tenha não interfira na minha capacidade de cantar a partitura, pois devo estar numa linha muito ténue. No momento que me deixo levar pela emoção, sei que não consigo cantar. É uma peça tecnicamente muito difícil, ao mesmo tempo uma personagem maravilhosa e um musical muito ambicioso. É o bestseller de Noah Gordon transformado em musical e que vai bater records não só em Espanha mas também por esse mundo fora. Na minha opinião está ao nível dos grandes musicais que se fazem e poderá ser exportado..Como foi selecionada para este musical?.Há tempos que tinha vontade de trabalhar em Espanha. Estou casada com um espanhol e vivemos em Madrid. No início não tinha o domínio da língua suficiente para poder fazer um papel principal e El Médico surgiu numa fase em que já estava mais preparada para agarrar a oportunidade. Fiz o casting e felizmente cá estou.Porque pensa que foi eleita para este papel?.Nesta altura da minha vida senti que podia agarrar esta personagem com unhas e dentes e trabalhá-la a um nível profundo. A experiência também conta, e sei que tenho resistência para fazer um espetáculo seis a oito vezes por semana. Isso consegue-se com muita técnica, não é só talento. Tenho muita experiência em musicais e sei que posso estar ao nível necessário. Creio que o meu currículo teve peso na decisão mas não terá sido decisivo..Já tinha lido o romance de Noah Gordon?.Não, só depois de ter sido escolhida para o papel. Já li e reli e apaixonei-me pela história. Depois fiz a pesquisa de personagem. Os grandes musicais vêm de livros, de romances e de romances históricos. O grande desafio é fazê-lo bem. Este musical é muito fiel ao que se pode ler no livro e a adaptação feita está brilhante.Como se trabalha um papel sem precedentes? É a primeira Mary Cullen....É um sonho realizado. Sempre tive grandes papéis mas nunca a oportunidade de criar uma coisa de raiz - era um sonho que tinha. Sinto que estou num processo muito grande, onde todos acreditamos que vai ser um sucesso. As seguintes gerações vão ter de se guiar pelo trabalho feito aqui, por isso é um privilégio enorme poder sugerir até as marcas no palco. Em outros musicais é impossível porque fazemos o mesmo que foi feito há 20 ou 30 anos..O que gosta mais na personagem?.É uma mulher muito à frente do seu tempo e tem muito por onde explorar. Uma mulher do século XI que lê, que se interessa pelos negócios, que viaja com o pai e tem os seus próprios sonos. É isso que me apaixona na protagonista. É interessante explorar a época e as condicionantes para uma mulher diferente, estranha para os outros mas que fará avançar uma época..Sente que é parecida consigo?.Em todas as personagens há alguma coisa com a qual nos identificamos. Mary Cullen é uma mulher que aparentemente pode ser frágil mas na realidade é uma lutadora sem limites e que arrisca. Eu identifico-me com ela no aspeto mais simbólico da luta por um objetivo. Sou a menina de Guimarães que diz "eu quero cantar, estudar na melhor escola". Como não tenho dinheiro, candidato-me a uma bolsa... É o percurso da Mary noutros tempos..Como foram os ensaios?.Duros e intensivos, com muitas horas e pessoas a trabalhar num projeto tecnicamente muito ambicioso. Está a ser tudo feito de raiz... É muito cansativo mas no final encaixa tudo. Trabalhamos quase diariamente a parte vocal, a coreografia e há uma coordenadora da dança que nos prepara. A minha carga é mais emocional, mas devo estar em forma para carregar os vestidos com dez e quinze quilos..Lorenzo Caprile é um estilista de renome. Conhecia-o?.Conhecia o nome dele, o seu trabalho incrível. É um trabalho espetacular e neste aspeto não fica nada atrás dos grandes musicais. Vai ser algo muito especial, uma surpresa, porque juntou-se a um grupo de pessoas com grandes sonhos e talentos maiores ainda. Basta começar por Iván Macias, o compositor e o diretor musical. A partitura é incrível, arrepiante desde o minuto um até o final. Vai ser uma surpresa quando se juntar tudo isto..É um desafio grande cantar em espanhol?.Por muito bem que se fale temos sempre coisas do nosso sotaque por trás. É um grande desafio e para mim é muito bom pois é um trabalho que me servirá para o futuro..Madrid é uma boa oportunidade para uma artista como a Sofia?.Sim, há grandes produções de qualidade e muito público. É uma cidade onde se pode manter um musical em cena sete anos, como O Rei Leão está, e em Portugal ainda não existe essa possibilidade..Em Portugal é conhecida também pela sua participação em Morangos com Açúcar e Ouro Verde. Gosta do trabalho em televisão?.Onde me sinto melhor é no palco, a cantar ou atuar. Mas, ao mesmo tempo, o trabalho com câmara também me fascina. O processo é muito diferente, é outro mundo e onde estou mais verde. Comecei no teatro aos 12 anos e é no palco que está a minha zona de conforto..Gostava de um dia atuar num musical em Portugal?.Eu acho que seria maravilhoso poder levar o espetáculo a Portugal. Já se fala disso! Era importante dar a conhecer este trabalho e ver os nossos vizinhos pode inspirar outras pessoas. Não temos falta de vontade nem falta de talento, porque não arriscar e fazer uma produção original em português?.Espera que esteja Noah Gordon na estreia?.Só de pensar que pode estar na estreia arrepia-me, é uma responsabilidade enorme para todos e ao mesmo tempo tão bonito poder ver o que ele originou com a sua historia maravilhosa..Em Madrid