A delegada tem uns trinta e tal anos. Mas o cartão está virado ao contrário e nem dá para perceber por onde foi eleita ao congresso e desanda assim que lhe colocamos a pergunta: "Pensa que este Congresso do PS devia debater o caso Sócrates e a sua governação como apelou Ana Gomes?" Os minutos em que se deteve esfumaram-se num ápice. "Peço desculpa, agora não posso falar.".Foi claríssimo que o tema a incomodou, mas foi a única entre os delegados que ouvimos que se esquivou a comentar um dos temas mais delicado com que os socialistas têm e terão de lidar nos próximos meses, apesar do antigo primeiro-ministro se ter desvinculado do partido. "Não é tabu! Já está resolvido por si!", garante ao DN Luís Lopes, que vem da Amadora. E concretiza: "José Sócrates teve muita relevância para o PS, mas já passou." Este delegado não embarca no apelo da socialista Ana Gomes que queria pôr o congresso do partido a debater a era da governação de Sócrates. "O que importa aqui é discutir as medidas políticas para o país.".Estas palavras fazem eco em todos os cantos do Exposalão da Batalha. E até foram consequentes com o aplauso com que os socialistas brindaram o antigo secretário-geral quando surgiu no ecrã do pavilhão vestido de vermelho-escarlate. Maria da Luz Santana, algarvia, tem a explicação para o modo como o partido está a lidar com o caso. "O PS não tem de se envergonhar da sua história, mas é uma história que tem de ser pensada e debatida. Mas não aqui. Aqui vamos pensar o futuro.".Carlos Filipe Figueiredo, da concelhia de Seia, foca o congresso: "Tem de estar centrado noutras temáticas que não a de Sócrates, mas nos problemas das pessoas e nas estratégias para responder às suas preocupações." O apelo da eurodeputada Ana Gomes - que está de corpo presente no congresso e que até o gostaria de dar às balas para interpelar os militantes sobre os erros e má fortuna da era socrática, se a deixarem - continua a não colher adeptos. Mesmo entre os que com ela convivem nos corredores do Parlamento Europeu, como o colega Carlos Zorrinho. "Este é o momento do partido definir grandes linhas de orientação e de ação para responder aos anseios dos portugueses, o nosso posicionamento europeu", diz. José Sócrates já foi, sublinha, "julgado politicamente em eleições e o juízo ético sobre o seu comportamento cabe a cada um dos portugueses. Do ponto de vista legal compete aos tribunais.".Vindo do concelho do Seixal, Manuel Ramos, que se assume como um antigo apoiante de José Sócrates acha que o partido "tem de fazer conversa sobre isso" e que "o partido deve clarificar a posição em relação ao ex-secretário-geral, mas o congresso deve servir para discutir como fazer sair o país do marasmo e pôr os nossos jovens a apanhar o comboio"..A delegada pela Amadora Rita Madeira é mais afoita na defesa do antigo primeiro-ministro, que considera ter sido "bom" e remete para a "justiça o que é da justiça". Até porque, argumenta, "José Sócrates não foi julgado pelos tribunais" e só quando o for "o partido deve tirar ilações" do que daí resultar..O presidente da Câmara de Salvaterra de Magos, Hélder Esmeno, também na Batalha na condição de delegado, também assume com desassombro a governação de Sócrates, que considera que o partido deve valorizar. "Concretizou importantes investimentos e dotou o país de várias infraestruturas." E como todos os que estão na causa pública "tomou boas e más decisões"..Mas se o antigo líder do governo, como homem que teve a missão de gerir os destinos do país, se teve ou não um comportamento adequado, esse julgamento "só os tribunais estão em condições de fazer"..E a avaliação é simples: se se aproveitou ou não do Estado para proveito próprio. O PS, diz, não deve ser o palco para esse julgamento. E pela amostra do arranque do congresso é bem provável que o tema acabe mesmo por passar ao lado do palco principal. A não ser que Ana Gomes volte a fazer o papel de grilo falante à consciência dos socialistas.