Socorro! Os miúdos não querem ir ao museu. Dicas para os levar 

Para evitar olhos que rebolam quando se fala em quadros e esculturas, Cristina Gameiro, coordenadora do serviço educativo do Museu Berardo, explica como evitar os olhos que rebolam quando se fala em quadros e esculturas
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Antes ainda de começar a visita pela exposição permanente do Museu Berardo, Cristina Gameiro , coordenadora do serviço educativo e autora dos livros A Minha Primeira Coleção de Arte Moderna e Contemporânea, lança o mais importante conselho para os pais que levam os filhos ao museu: "Não pensem ver o museu todo, porque isso é estragar a visita. É muito cansativo ver o museu todo, mais ainda com crianças. As pessoas devem concentrar-se numa parte do museu, numa parte da coleção, até num artista. Nunca terem a ambição de ver o museu todo. É contraproducente." Uma hora é um bom compromisso e, lembra, aos sábados as visitas são gratuitas neste museu.

É impossível não reparar no avião de Miguel Palma, o Google Plane (1968-2008), que acolhe os visitantes quando se entrega o bilhete. Enche os olhos dos adultos e cativa os mais pequenos. É aqui que se detém Cristina Gameiro, explicando as estratégias que se usam por aqui para cativar a atenção dos mais novos - e esta obra do artista português é bom ponto de partida.

"Para os mais pequeninos, suscita muita curiosidade. Ir ao museu e ver um avião..." Reconhecido o objeto, eles começam a perceber que "o céu está da parte de baixo do avião e a terra em cima, mas, por outro lado, se virmos de baixo, é o céu que estamos a olhar...". É uma obra que rompe de imediato com a ideia de que a arte é pintura e escultura. "Os quadros e as estátuas", como lhes costumam chamar as crianças. E "na arte moderna e contemporânea não estamos restringidos ao sentido da visão", acrescenta. Nesse aspeto, acredita Cristina Gameiro, mesmo sem o poder dizer como ciência certa, estar num museu de arte moderna e contemporânea facilita. "Todos os espaços têm as suas especificidades, e este, para o bem e para o mal, também tem as suas. Encontram aqui, se calhar, uma abertura, uma luz, uma liberdade, que num museu de outra época é mais difícil."

Como se fizéssemos o "serviço educativo" para pais e educadores, Cristina Gameiro nota que "a maior parte das pessoas que visita o museu não são especialistas desta ou daquela área e sentem algum constrangimento em falar". É a primeira barreira a quebrar quando se leva os mais novos a museus. E nada de "feio ou bonito". "O gosto não deve condicionar a nossa relação com a peça. Há obras que não podemos dizer que são bonitas, mas permitem enriquecer o nosso conhecimento", resume.

A experiência de anos da coordenar o serviço educativo diz a Cristina Gameiro que "as crianças estão mais dispostas e abertas a ver as obras de arte moderna e contemporânea do que os pais, que têm um pensamento diferente". Talvez alguns pais ainda se perguntem o que faz uma lata do lixo no museu, as crianças têm outras referências.

Entrar com espírito de jogo é uma boa atitude, defende Cristina Gameiro. "É uma forma das mais eficazes para aprendermos", defende, contrariando até alguns educadores, professores por exemplo, que acreditam que a visita ao museu deve ter menos brincadeira.

E é ainda antes de passar a entrada, os miúdos começam logo a ser chamados a participar. O Museu Berardo criou uma série de cartas, cada uma dedicada a um artista, com desafios para ir realizando ao longo da visita. Onde está o quadro? Onde está aquele ou aqueloutro detalhe?

Numa exposição permanente apresentada cronologicamente, como acontece no Museu Berardo, o porta-garrafas de Marcel Duchamp é das primeiras obras de arte em exposição. O que é? De que material é feito? De que ano? Não é preciso ser especialista, reforça Cristina Gameiro, para fazer estas perguntas. "Qualquer um pode construir uma história." E podem falar de acontecimentos da época em que foram realizadas as obras de arte ou consultar a internet.

Depois, é preciso pensar segundo a idade. Os mais novos deixam-se levar pelas cores. Mais crescidos, pelas formas. Os quase adolescentes preferem a pop art. E, recorde-se, "o horizonte de visão de um adulto é mais alto do que o da criança".

Deambulando pela galeria, Cristina Gameiro para junto de uma tela de Piet Mondrian, uma das mais valiosas desta coleção e das mais requisitadas por outros museus. Pode parecer apenas um resumo do trabalho do artista holandês, conhecido por depurar a representação em linhas horizontais e verticais. É preciso aproximarmo-nos, a conselho da cicerone, para ver o detalhe: como a linha negra sobre o quadrado amarelo não termina.

A sala do surrealismo é das que atrai mais atenções. Começa com uma obra de Picasso, um nome que poderá ser mais familiar, mas também lá está um telefone-lagosta de Salvador Dalí. Pode não ser o animal (e a combinação) a impressionar. "Mas este objeto que eles não reconhecem como um telefone."

É uma otimista e garante que isso de os meninos não quererem ir ao museu "já não é bem assim". "Como vêm com a escola, muitas vezes são eles que pedem para voltar." E, por exemplo, para fazer a festa de anos entre obras de arte.

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