Sobreiros a morrer e espécies em perigo a perder terreno

A seca severa e extrema e atinge a maior parte do território também está a afetar algumas espécies mais vulneráveis
Publicado a
Atualizado a

Com 81% do território continental em seca severa e 7,4% em seca extrema, no fim de setembro, segundo os dados do IPMA - o mês de setembro foi o mais seco dos últimos 87 anos, segundo o instituto - as repercussões são múltiplas e abrangem vários setores. Na bacia do Guadiana há espécies em risco.

Os pescadores de Setúbal dizem senti-lo na pele (ver reportagem), mas a agricultura e a pecuária, a produção hidroelétrica, a biodiversidade e a disponibilidade de água para consumo em zonas do nordeste do país, ressentem-se da falta de chuva que dura desde fim de março, agravada pelas temperaturas acima da média para a época nos meses de abril, maio, junho, e agora, em outubro.

Face à situação, o governo anunciou medidas adicionais de apoio à alimentação animal, que visam mitigar os efeitos da seca, e que deverão avançar na segunda-feira.

Espécies únicas em risco

Embora não haja ainda um retrato dos efeitos da seca na biodiversidade, Pedro Rocha, biólogo e diretor regional do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) do Alentejo, não tem dúvidas de que ela terá efeitos negativos importantes nas espécies, nomeadamente no Alentejo, uma das regiões mais afetadas pela seca.

Uma das preocupações são os peixes autóctones da bacia do Guadiana, onde há espécies únicas, que só existem ali, como é o caso de um pequeno peixe chamado saramugo, classificado como "Criticamente em perigo" a nível nacional.

Na bacia do Guadiana, a ribeira do Vascão, uma das mais importantes para o saramugo, "tem nesta altura uma escassez de água comparável à que se verificou durante a seca de 2005, que foi extrema", diz Pedro Rocha. Os chamados pegos, charcos de água que resistem naquela e noutras ribeiras da bacia do Guadiana, e que são depósitos de biodiversidade, "estão a secar, o que é preocupante", sublinha o biólogo. "Uma seca deste tipo pode ser muito grave para uma espécie como o saramugo", afirma Pedro Rocha, uma vez que ela já se está em dificuldades. "Das 10 bacias em que o saramugo existia há 15 anos, agora já só está em quatro ou cinco", o que significa que se perdeu diversidade genética. Por isso, sublinha, "uma seca como esta, e como a que aconteceu em 2005, podem contribuir decisivamente para sua extinção".

Embora a comunidade de peixes do Guadiana esteja adaptada aos ciclos de secas, "a intensidade da que está em curso, ao ponto de secarem pegos que nunca secam, é uma preocupação", sublinha

A bióloga Sónia Fragoso, da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), que coordena o projeto Life Saramugo para a preservação da espécie - o ICNF, a Universidade de Évora e a Aqualogus são parceiros no projeto - concorda. "Menos água nos pegos aumenta a pressão entre as espécies, que têm de competir pelos mesmos recursos, como o alimento, o oxigénio ou os abrigos", e tudo isso "contribui para o declínio das populações nativas, nas quais se inclui o saramugo", diz.

Para mitigar o problema, o projeto tem feito várias ações desde que se iniciou, em 2014, como a remoção das espécies exóticas no verão, para diminuir os seus danos.

Outro situação que está a ser agravada pela seca é a morte de sobreiros e azinheiras no montado alentejano. "Com estas temperatura e a escassez hídrica observam-se árvores a morrer de um dia para o outro no Baixo Alentejo e Alentejo litoral, onde muitas árvores estão a secar", afirma Pedro Rocha, sublinhando que "o declínio do montado, sendo causado por vários fatores, é agravado pela seca".

André Vizinho, investigador do Climate Change Impacts Adaptaion and Modeling, da Faculdade Ciências da Universidade de Lisboa e especialista em montado e alterações climáticas, observa a mesma realidade. "Esta seca tem um impacto muito grande nas árvores em zonas onde a precipitação média anual está abaixo dos 600 milímetro de chuva, e que são essencialmente as zonas do Baixo Alentejo, onde há imensas árvores a morrer", explica o investigador. E alerta: no futuro, com o aumento da temperatura em cerca de cinco graus e a redução da precipitação em algo como 20%, no contexto das alterações climáticas, "vai ser preciso alterar as práticas para proteger o montado e para ele continuar a ser viável nesta região".

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt