Homem de coragem, empresário notável, personalidade singular, muitos foram os elogios a Alexandre Soares dos Santos durante a vida e agora que desaparece, aos 84 anos. Mas poucos lhe colarão à pele o rótulo de consensual..Sem nunca deixar que o parecer bem ou o politicamente correto lhe moldassem palavras e ações, o dono da Jerónimo Martins teve momentos extraordinários -nem sempre elogiados mas certamente livres. Estes são alguns deles..CRIAÇÃO DA FUNDAÇÃO FRANCISCO MANUEL DOS SANTOS.A Fundação foi criada em 2009 por Alexandre Soares dos Santos e família. Tem como missão "estudar os grandes problemas nacionais e levá-los ao conhecimento da sociedade". A Fundação gere o portal Pordata, Base de Dados do Portugal Contemporâneo, e lançou uma coleção de livros de ensaio, a preços reduzidos, sobre temas da atualidade..A Fundação publica livros e elabora estudos, sobre temas relevantes para a sociedade, como a educação, a economia, a justiça ou políticas públicas; organiza encontros e debates onde reúne e dá a voz a especialistas nacionais e internacionais; e cria, compila e difunde dados sobre Portugal e a Europa através de várias plataformas..DECISÃO DE MUDAR A SEDE PARA A HOLANDA.Foi em 2012 que a família Soares dos Santos, dona da maior participação na Jerónimo Martins, vendeu os seus 56% do capital à subsidiária do grupo na Holanda. Na base da mudança esteve uma manobra de gestão para fugir a uma dupla tributação com a entrada na Colômbia - onde a dona do Pingo Doce queria investir 400 milhões de euros até 2014 - mas também a antecipação de eventuais mudanças na lei portuguesa que podiam penalizar ainda mais as SGPS..A principal razão para a operação foi garantir que os 56% detidos pela Sociedade Francisco Manuel dos Santos, SGPS, controlada pela família Soares dos Santos, nunca venham a pagar imposto sobre as respetivas mais-valias..A operação foi largamente criticada. Francisco Louçã, que era coordenador do Bloco de Esquerda, considerou a decisão "mesquinha"..CORRIDA LOUCA AO PINGO DOCE EM 2012.A 1 de maio de 2012 deu-se uma corrida louca ao Pingo Doce. A Jerónimo Martins promoveu uma campanha de 50% para clientes que comprassem mais de 100 euros em compras. A enorme afluência de consumidores às lojas Pingo Doce acabou por levar a alguns tumultos, com desacatos e até agressões entre clientes..O tema da promoção agressiva chegou à Assembleia da República e mereceu uma investigação da ASAE-Autoridade de Segurança Alimentar, que concluiu ter havido dumping - venda abaixo do preço de custo..DECLARAÇÕES SEM FILTRO.Em 2011, na conferência de apresentação de resultados do grupo relativos a 2010, Soares dos Santos atacou o então primeiro-ministro, José Sócrates. Questionado sobre o segredo do sucesso do grupo, respondeu: "Os truques são com o Sócrates. Eles (políticos) é que gostam de truques". O então primeiro-ministro contra-atacou mais tarde: "Nem merece comentário e só prova que não basta ser rico para ser bem-educado"..Em 2012, Sócrates voltou a ser alvo de uma declaração feroz de Soares dos Santos. "Contratava o Sócrates. Entrava como trainee. Ia fazer estágio de loja", afirmou, numa entrevista ao jornal Público..Em 2013, disparou novas críticas a Sócrates, que considerava ser o pior político. "Não ouvia nada, era megalómano, mentiroso, inteligente", disse numa entrevista ao jornal Expresso. E atirou ainda: "os nossos governantes não veem nada além do Cristo-Rei"..Uma das suas frases mais polémicas foi proferida em 2014 na conferência da revista Exame. "Detesto investimentos chineses. Não trazem "management" nem "know-how", nem coisíssima nenhuma"..Em 2014, criticou o valor do salário mínimo. "Está tudo muito contente neste país porque somos miseráveis e gostamos de ser miseráveis", afirmou aos jornalistas, citado pelo Jornal de Negócios.."Acho que não se pode pagar às pessoas pouco. Não há ninguém que vá trabalhar com gosto, ganhando pouco. O salário mínimo nacional de 500 ou 520 euros não dá para nada", afirmou."Está tudo muito contente neste país porque somos miseráveis e gostamos de ser miseráveis. Ninguém percebe que tem de haver incentivo às pessoas para andar para a frente", acrescentou. Soares defendia que o salário mínimo devia ser fixado pelas empresas..Já em 2018, uma frase sua voltou a ter destaque: "Isto é uma terra de primos e os primeiros passam a vida a fazer jeitos uns aos outros. Depois estouram-se todos", disse numa entrevista ao Sapo 24..SUCESSÃO.Alexandre Soares dos Santos deixou a presidência executiva do grupo Jerónimo Martins em 2004 e preparou a sua sucessão. Luís Palha da Silva, que era administrador executivo do grupo, foi escolhido para assegurar a transição..Em 2009, o Pedro Soares dos Santos assumiu o cargo de administrador-delegado e em 2013, sucedeu ao pai na como presidente do grupo..Alexandre Soares dos Santos contou, numa entrevista ao Expresso, em 2018, como surgiu a sua decisão de abandonar a liderança do grupo: "O António Borges, no fim de uma reunião do conselho de administração, diz-me assim: "Alexandre, a nossa querida companhia está a perder agressividade". Eu tomei nota e, quando cheguei a casa, contei à minha mulher e disse-lhe: "Amanhã, vou-me embora". No dia seguinte, apresentei a carta de demissão e vim-me embora. O CEO e o chairman da Jerónimo Martins têm uma atividade constante. O meu filho Pedro é um desgraçado. Ou está na Colômbia ou na Polónia ou a caminho de outro lado"..Texto publicado originalmente em Dinheiro Vivo