Só temos o "Planeta A"

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Quando se multiplicam os alertas sobre a destruição da natureza e da sociedade humana, a guerra da Ucrânia, em plena Europa, envolve ameaça nuclear, crimes hediondos contra a humanidade, milhares de mortes, genocídio e desprezo pelos mais elementares princípios e regras do Direito e da Justiça, da Carta das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pondo tudo em causa e prenunciando um desastre imprevisível. Daí a atualidade da série documental, realizada graças à cooperação entre a RTP e a Fundação Gulbenkian, "Planeta A", composta por nove episódios, sobre o problema das alterações climáticas, com as preocupações, os alertas e as soluções que têm sido ou têm de ser encontrados nos quatro cantos do mundo. Ao longo de mais de dois anos, o ator João Reis viajou pelo planeta em busca de perguntas e respostas, procurando factos, testemunhando situações e ouvindo cientistas, investigadores e ativistas de todo o mundo. Como disse o realizador Jorge Pelicano um dos objetivos do trabalho é "mostrar" a realidade, porque "as palavras já existem há muito tempo". A sustentabilidade não se restringe a questões ambientais, mas abrange muitos outros temas, na economia, na sociedade e na cultura.

É urgente a tomada de consciência de todos sobre a autodestruição que está em curso. Impõe-se, além de uma cultura de paz, a redução imediata das emissões poluentes a fim de podermos limitar o aquecimento global a 1,5 graus Celsius acima dos níveis da era pré-industrial. Deve soar a sentença de morte para os combustíveis fósseis, antes que destruam o planeta. A concentração de gases com efeito de estufa atingiu níveis dramáticos. O objetivo de ter economias verdes e inclusivas, com desenvolvimento sustentável e ar limpo, obriga à coragem de uma verdadeira partilha de responsabilidades. Só poderá haver prevenção da catástrofe climática se houver união de esforços. É preciso que Estados e sociedades se aliem. O aumento do nível do mar duplicou em 30 anos, os oceanos estão mais quentes, a zona florestal amazónica já emite mais carbono do que absorve. E se tudo continuar assim, chegaremos a um aumento calamitoso de 2,7 graus. A pandemia é um sinal de descontrolo. A guerra é um sintoma suicida.

É fundamental que haja compromissos credíveis para acabar com as emissões de CO2 até meados do século, sem desfalecimentos. Muitos já deixaram de financiar a indústria do carvão e mais de 700 cidades assumiram, com resultados, o caminho para a neutralidade. O exemplo pioneiro de Jaime Lerner (1937-2021) em Curitiba tem de ser lembrado. E não se esqueça que os países do G20 são responsáveis por 80% das emissões de gases com efeito de estufa. E urge proteger as comunidades vulneráveis dos perigos da mudança climática, já que na última década 4 mil milhões de pessoas sofreram os efeitos dos desastres ligados ao clima, em morte, doença e pobreza. A ação climática está no topo das prioridades humanas, por ser uma questão de sobrevivência.

Di-lo o Papa Francisco em "Laudato Si"". Não basta falar de economia verde, como uma ilusão e manter o consumismo cego. Proteger o futuro é salvar a humanidade. E a democracia está na ordem do dia - quando as profecias de Orwell são ultrapassadas pela realidade. O poder democrático autêntico e durável envolve respeito pela singularidade temperada pelo bem comum. O egoísmo dos falsos direitos adquiridos, o negacionismo e o desrespeito pela equidade intergeracional têm de lembrar a sobriedade e o combate a todas as formas de desperdício. Não podemos continuar a pedir tudo ao mesmo tempo. A educação, a ciência e a cultura tem de assumir um pacto firme em nome da humanidade. O romance As Abelhas Cinzentas do ucraniano Andrei Kourkov apresenta uma metáfora protagonizada por apicultores, na qual a ironia e a tragédia se completam. Mas só a esperança e a determinação nos podem salvar.


Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian

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