Só metade da extrema-direita nas ruas por Bolsonaro

Atos marcados para este domingo têm agenda hostil aos outros poderes, Congresso Nacional e Supremo Tribunal, razão pela qual, em vez de unir, podem expor a divisão no bloco de apoiantes do presidente.
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O principal sintoma de que as manifestações a favor do governo e contra a atuação dos outros poderes da República, marcadas para este domingo em dezenas de cidades do Brasil, dividem a extrema-direita veio diretamente do Palácio do Planalto: nem o cidadão Jair Bolsonaro vai aos atos a favor do presidente Jair Bolsonaro.

Os seus ministros também não participam. Outros pilares de sustentação do governo, como os militares e os economistas liberais, são na sua maioria contrários aos protestos. Até o líder do seu partido, o PSL, retirou apoio institucional à iniciativa. E um a cada dois dos membros mais mediáticos do seu grupo parlamentar prefere ausentar-se. Vão sobrar nas ruas aqueles a que se convencionou chamar de "bolsonaristas puros", inspirados por Olavo de Carvalho, ideólogo do governo, e pelos filhos do presidente.

A agenda oficial dos organizadores - grupos conotados com a ala mais ideológica do governo - é dispersa: defesa da reforma da previdência, principal desígnio de Bolsonaro, que vem sofrendo resistências à sua aprovação na Câmara dos Deputados, ou apoio às medidas de austeridade do presidente.

As manifestações, porém, são vistas como mero ataque aos outros dois poderes, o Congresso Nacional, sede do legislativo, e o Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte judicial do país. Logo, como deriva autoritária.

"O discurso que fala do presidente como refém do Parlamento e da "velha política" - e que por vezes menciona o fecho do Congresso como medida - está espalhado pelos grupos de WhatsApp bolsonaristas que foram centrais na campanha eleitoral", escreveu Afonso Benites, na edição brasileira do El País.

"E isso é irracional: o presidente foi eleito para governar dentro das regras democráticas, pelo amor de Deus, parem as convocações. Não tem sentido quem está no poder convocar manifestações, raciocinem!", pediu Janaína Paschoal, a deputada estadual mais votada do país, que chegou a ser equacionada para vice de Bolsonaro e se tornou conhecida por ser coautora do pedido de impeachment de Dilma Rousseff.

Por isso, ela e outros membros do PSL contrários ao ato são chamados de traidores em grupos de WhatsApp controlados pelo exército online de "bolsonaristas puros".

Na imprensa, entretanto, a opinião generalizada é que Bolsonaro tem pouco a ganhar e muito a perder com os protestos. Desde logo porque, ao que tudo indica, deve perder nas comparações com os atos da oposição em mais de 200 pontos do país, do último dia 15, contra a política de cortes na Educação. "Pode-se imaginar dois cenários: num deles, os apoiantes de Bolsonaro lotarão as ruas de centenas de cidades, darão fôlego aos seus instintos arbitrários e aumentarão a polarização política no país; noutra perspetiva, a manifestação fracassará e o presidente ficará ainda mais isolado", escreve Eumano Silva no jornal Metrópoles.

E depois porque em vez de unir os pilares, tantas vezes antagónicos, em que se sustenta o governo, acentua as suas diferenças. "Os protestos são uma fissura no que o ministro da Economia, Paulo Guedes, chamava na campanha de junção entre a ordem com o progresso (...) ou seja, a união de interesses entre os conservadores comportamentais e os liberais económicos", escreve o analista Fábio Zanini, no Folha de S. Paulo.

O lado positivo para Bolsonaro nas manifestações pode ser o desvio do foco dos problemas que afetam o seu governo. A economia que não avança - a prévia do PIB aponta para retração em 2019, o dólar sobe e o número de desempregados já está em torno de 14 milhões - e o escândalo em torno de Flávio Bolsonaro.

Após levantar os seus dados bancários, o Ministério Público acusou o senador e filho mais velho do presidente de liderar uma organização criminosa estável, desde 2007, de lavagem de dinheiro e de peculato, ao empregar dezenas de assessores que concordavam em transferir a maior parte dos seus salários para o filho do presidente.

QUEM VAI

Clã Bolsonaro
Os três filhos mais velhos do presidente são entusiastas da manifestação.

Major Olímpio
"Senador-estrela" do PSL acha necessário "demonstrar a força de Bolsonaro".

Alexandre Frota
Deputado vai à luta "pelo Jair".

Carla Zambelli
Deputada que liderou o grupo Nas Ruas, pela destituição de Dilma, desentendeu-se com a colega Joice Hasselmann por causa do ato e diz: "Eu estarei lá."

Líderes camionistas
Dois líderes do movimento que paralisou o país em maio de 2018 vão, mas a categoria está dividida.

Movimentos de direita
O Movimento Avança Brasil, o Direita São Paulo, os Ativistas Independentes, os Patriotas Lobos Brasil e o Clube Militar coordenam a chamada às ruas.

QUEM NÃO VAI

Jair Bolsonaro
Apesar de o patrocinar, não vai ao ato e orientou os seus 22 ministros a fazerem o mesmo.

Luciano Bívar
Presidente do PSL resolveu não dar apoio institucional.

Janaína Paschoal
Deputada estadual do PSL e coautora da destituição de Dilma considera os atos irracionais.

Joice Hasselmann
Deputada federal acha-os "um tiro no pé".

João Doria
O governador de São Paulo, próximo do presidente, não vê necessidade na manifestação.

Partido Novo
Para o partido cujo candidato presidencial, João Amoêdo, foi o quinto mais votado e que tem sido aliado do PSL no Parlamento não há "objetivo claro" nos atos.

Movimento Brasil Livre e Vem Pra Rua
Grupos que lideraram protestos contra Dilma são contra a manifestação.

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