SNS V

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Muito se tem falado sobre o SNS ultimamente. O SNS isto, o SNS aquilo, é preciso defender o SNS, é preciso tanta coisa e o seu contrário, e então lembrei-me de uma pequena anedota que reza assim:

Uma senhora vai ao médico e diz:

"Doutor, estou me sentido obesa, estou me sentindo flácida, estou me sentindo feia, o que é que eu tenho?"

"Você tem razão!!" responde o médico.

Pois é, imaginemos que o SNS vai ao médico e faz uma pergunta semelhante "estou me sentindo gordo, estou me sentindo flácido, estou me sentindo feio...". A resposta do(s) médico(s) não pode ser diferente da resposta do médico da anedota: "você tem razão!!".

Como não sou de futebóis, farei uma comparação diferente, com a realidade de uma disciplina do desporto automóvel: os ralis.

Os meus amigos Armindo Araújo e Luís Ramalho são e foram em anos anteriores, Campeões de Portugal de Ralis. Para chegarem a esses títulos, precisaram de trabalhar em equipa, com o Armindo a conduzir e o Luís a ditar as notas que ambos tinham tirado nas estradas por onde se desenrola um determinado rali, o Rali de Portugal, por ex. A confiança tem de ser total, pois um engano numa nota ditada pode levar a um acidente com consequências gravosas. Para poderem ganhar ralis e campeonatos, investem muito tempo na preparação das provas, em termos técnicos e logísticos, preparando-se eles próprios física e mentalmente, confiando na sua equipa técnica que prepara o carro para que esteja em perfeitas condições tanto na mecânica como na segurança que tem de estar a 100%. Nada pode ser deixado ao acaso.

Ser Campeão dá trabalho!

Manuel Pizarro e Fernando Araújo foram apresentados como a nova equipa capaz de dar um "élan" diferente à Saúde em Portugal.

Sendo piloto e co-piloto experientes, imaginei que M. Pizarro conduziria virtuosamente com as notas a serem também virtuosamente ditas por F. Araújo, e que seriam capazes de levar à vitória no Rally da Saúde de Portugal o protótipo desenhado por António Arnaud: o SNS de tração total.

É um veículo potente, que exige destreza extrema para quem o quer conduzir com mestria, de aceleração rápida e segura em retas, mas pedindo muita atenção nas curvas mais apertadas sob pena de poder provocar algumas saídas de estrada a condutores menos avisados.

Era, diziam, uma equipa ganhadora. Entraram numa toada forte, acelerando a fundo mesmo em algumas curvas mais difíceis, mostrando que piloto e co-piloto estavam ali para ganhar. Foram umas urgências resolvidas sem necessitar entrar em derrapagem e por ali foram enquanto as contra-curvas não apertavam. Quando o terreno começou a piorar e o piso começou a tornar-se escorregadio, a solução foi meter mais combustível no depósito - contratam-se mais médicos e enfermeiros que a coisa se há-de resolver, isto é, foram para a curva a toda a velocidade à espera de ver como iriam sair, e saíram mal, com algum descontrolo, quase provocando um acidente. Ou o piloto não ouviu a nota ou o co-piloto enganou-se ao ditar!

Os concorrentes M. Pizarro/F. Araújo não seguiram as lições que os Campeões Armindo Araújo/Luís Ramalho tão bem exemplificam: o que deve e como deve ser uma equipa coesa, resistente e resiliente (basta ver o percurso atribulado deste início de ano e o feito de mais uma vez serem os melhores portugueses no Rally de Portugal) e estão a deixar passar a oportunidade de poder ganhar o Rally da Saúde de Portugal.

Vou chocar um pouco:

O SNS não existe. Não há um Serviço Nacional de Saúde! Há um conjunto de Hospitais, centrais, distritais e locais, formando uma rede hospitalocrática centralizadora e uma enorme rede de Centros de Saúde secundarizados ao "poder" dos primeiros, sendo que primeiros deveriam ser os segundos porque afinal são estes quem primeiro deveria atender os pacientes. Não há um SNS estruturado como tal e, não o havendo, as notas ditadas pelo co-piloto F. Araújo ao piloto M. Pizarro são as mesmas que foram escritas pelo primeiro piloto a tentar conduzir este protótipo, A. Arnaud.

Entretanto mudaram as estradas, muitas delas passaram de estradas de terra com caboucos a estradas alcatroadas, pedindo potências e pneus diferentes e diferentes abordagens às curvas entretanto tornadas rectas, e por isso com zonas de travagem e aceleração diferentes.

Não é possível encarar o SNS ainda e sempre tal como o foi na sua génese. Mudaram os tempos, evoluíram as pessoas, e as tecnologias tornaram possível uma muito maior interacção entre pares.

Não é mais possível resolver os problemas superficialmente sem ir ao fundo.

É refundando um Serviço Nacional que começou, e bem, dentro do que era possível na época da sua criação por ser uma manta de retalhos sem um espírito comum, conferindo-lhe precisamente uma linha comum a todos quantos querem ter orgulho de pertencer a uma equipa ganhadora.

Tenho para mim que afinal a equipa que se queria ganhadora no Rally da Saúde, não passou de uma equipa do Manel e do Fernas a competir numa gincana organizada pelo clube lá do bairro!

Não é competindo em pequenas gincanas (mesmo que as possam ganhar serão sempre os campeões do bairro e pouco irão além disso) que poderão almejar a chegar um dia a Campeões de Portugal, como a equipa formada por Manuel Pizarro/Fernando Araújo!

P.S. 1 - a comparação com as equipas de ralis vem do facto de este ser o meu desporto de eleição. Já fui co-piloto, há muitos anos, estou ligado ao desporto automóvel também há muitos anos. Pertenço actualmente à Direcção da FPAK - Federação Portuguesa de Automobilismo e Karting, sou Comissário Desportivo Internacional FPAK e FIA, tendo já presidido por muitas vezes aos Colégios de Comissários Desportivos em inúmeros ralis na Europa e no mundo, com o Rally Dakar à cabeça, no qual tive o privilégio de colaborar vários anos, três deles como Presidente do Colégio de Comissários Desportivos.

P. S. 2 - espero que o Armindo e o Luís me perdoem por usar os seus nomes, mas são dois Campeões por quem tenho uma grande estima e amizade, que me honram retribuindo-as, e que considero serem exemplo de empenho e querer. Bem hajam!

Médico

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