António Costa faz lembrar muitas vezes o selecionador Fernando Santos. Chega-se a uma altura em que é por demais evidente ser impossível manter na equipa os jogadores de que gostam muito. Mas quer um, quer outro insistem, insistem, até ao desastre. A esta altura não estamos fora do Mundial porque a Macedónia do Norte eliminou a Itália. Já Costa navega uma maioria absoluta porque a defesa do "Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito" provavelmente fez a diferença no eleitorado - não tanto a prestação da ministra. Mas logo a seguir à vitória, sentado em cima da maioria, Costa descansou, quando teria sido mais digno para todos colocar-se uma nova cara na Saúde. Tal como com a recondução de Eduardo Cabrita em 2019, a bússola do primeiro-ministro parece mais ligada às tricas do balneário PS, ou à confiança pessoal, do que à eficácia. E assim chegámos a esta semana de desastre..Veja-se a ideia de Marta Temido de criar um "CEO da Saúde", ou seja, um poderoso executivo para gerir e coordenar um setor vital como este. Tudo isto parte do princípio de criar um "gestor-bonzo" para ir aos embates, sendo este depois sistematicamente desautorizado por quem manda quando a confrontação chega. E, portanto, uma figura sem poder nem credibilidade..Obviamente a figura do "CEO" vai cair, a menos que o primeiro-ministro ache mesmo boa ideia ter um ministro faz-de-conta. Está a circular o nome de Manuel Pizarro, médico, do PS e com bom feitio, ou Rosa Matos, ex-ARS de Lisboa, porque será mais próxima de Costa. Só que a questão é esta: quem quer ser ministro neste modelo e passar o tempo ao telefone entre os recuos de Costa e as exasperações do CEO?.Se for para ser a sério, o primeiro-ministro pode usar a lotaria que lhe caiu em mãos: o mais elogiado gestor hospitalar (Fernando Araújo, Hospital São João), que já foi inclusive secretário de Estado da Saúde no seu primeiro governo. Mas, tal como Fernando Santos, Costa tende a achar que se é óbvio, não é bom. O efeito-surpresa sim, é que é de líder. A esta altura deve andar a tentar desencantar o nome que ninguém espera..Curiosamente, o problema de base do SNS não está apenas no SNS. Os profissionais do setor ganham mal, porque os salários dos ministros, dos deputados ou dos próprios chefes do governo são ridículos face à responsabilidade e dignidade dos cargos. E a seguir não se pode pagar mais a quem trabalha no setor público, porque a hierarquia de salários no Estado tem esta bitola. Paulo Portas inaugurou há vinte anos a caça ao salário do político, aquando da transformação do CDS em Partido Popular. E nunca mais saímos daqui. Ventura é apenas a versão risível desse anátema: os que ganham muito à custa do Estado. Só que enquanto não mudarmos este princípio, ninguém de alto valor consegue ficar no serviço público - nem mesmo Paulo Portas, que legitimamente foi ganhar melhor para o setor privado..António Costa tem aqui uma enorme oportunidade para tentar a sensatez. O setor precisa de um interlocutor credível face ao bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, e aos diferentes sindicatos. Além disso, o verdadeiro SNS é o que funciona ou é tudo igual? Ser competente e ter ideias diferentes, testadas e a funcionar, como tem Fernando Araújo, é um problema? Esta é uma escolha decisiva para compreendermos o António Costa que temos pela frente nos próximos quatro anos: reformador ou apenas tático. Na Saúde, se jogar para empatar, vai perder. Vamos perder todos..Jornalista