Sistemas e tecnologias de informação – seu papel na mudança

6 semanas, 6 opiniões sobre "O futuro da saúde" Após um ano de pandemia, o que vai ser da saúde em Portugal? Um grupo de personalidades do setor, com assinatura em programas de reformas e a desempenhar cargos dirigentes, quer debater o assunto com a sociedade, porque tem pensamento sobre o que deve ser feito e sobre o papel que cada um de nós deve assumir. Durante seis semanas o DN publicará seis opiniões - a de José Luis Biscaia é a quarta. Os temas vão desde a gestão da saúde à integração dos cuidados, dos sistemas de informação às tecnologias biomédicas, da saúde mental ao envelhecimento.
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A saúde, talvez a área mais complexa no domínio social, exige um sistema de informação que sustente e potencie a resposta ao seu maior desafio atual e futuro: como acompanhar o percurso de vida das pessoas, na saúde e na doença, capacitando-as na sua gestão, num contexto de morbilidade múltipla, garantindo a integração e a continuidade de cuidados.

Na saúde, como na sociedade em geral, o impacto causado pela acelerada transição digital em curso, tem desencadeado dois grandes tipos de preocupações:

- Os que assumem a tecnologia e o digital como a solução de todos os problemas e disfunções do sistema de saúde;

- Os que consideram que esta degrada a relação profissional de saúde-doente, desumanizando-a, e tornando-os reféns da tecnologia.

Ambos decorrem das experiências pessoais de cada um, sem suporte numa análise e leitura clara do que está em causa, na realidade.

Para ultrapassar esta dicotomia, assumimos como pressupostos:

Afirmar: queremos uma "internet das coisas" para ter tempo e espaço para as pessoas;
Perguntar: "o que deve a tecnologia fazer?" em vez de "o que pode fazer?";

Assumir: a transição digital é um meio e não um fim si mesmo,

Neste enquadramento, a visão de um sistema de informação na saúde como suporte e fator de mudança tem, como foco essencial e estruturante, um registo de saúde eletrónico (RSE), que tenha como definição funcional:

Eu, cidadão, tenho acesso à minha informação de saúde e interajo com ela, ao longo de todo o meu percurso de vida e em qualquer ponto do sistema de saúde, seja nos seus diferentes serviços de saúde, seja com os vários atores, leia-se os diferentes profissionais de saúde, cuidadores, entre outros que interagem comigo.

Como representar este RSE?

Poderá ser representado de forma gráfica simples como uma linha de vida, com os vários acontecimentos/episódios que vão tendo lugar, incorporados em diferentes formatos, sejam eles texto, imagens, voz.

Para além desta representação gráfica, naturalmente interativa, toda a informação estará sistematizada em agrupadores, de dois grandes tipos:

I - Os funcionais, como os das alergias, doenças e problemas ativos (resolvidos e de evolução prolongada), da gestão da medicação crónica, dos internamentos, dos parâmetros biométricos, dos resultados analíticos, entre outros, com destaque para:

Plano Individual de Cuidados - representação do percurso da pessoa, o seu plano, onde está e para onde vai, quais os seus objetivos e como acompanha a sua jornada;

Gestão Integrada dos Percursos - a qualificação do acesso, qual a forma como se define e garante o que deve acontecer (gestão das expectativas).

II - Os perfis de utilizador, ou se quisermos, os diferentes olhares, sistematizando e qualificando a informação, seja para a pessoa e/ou o seu cuidador, o médico de família, o enfermeiro de família, o farmacêutico, o cirurgião, o nutricionista, entre outros.

Esta sistematização da informação é uma exigência funcional que permite qualificar a experiência de utilização dos diferentes perfis de acesso, sejam eles o cidadão ou o profissional.

Como construir este RSE?

O RSE, é uma plataforma integradora de dados e informação das diversas origens e fontes, de que são exemplo os diversos processos clínicos eletrónicos em uso nas instituições prestadoras de cuidados, os resultados dos exames laboratoriais e imagiológicos, os registos dos cuidadores no acompanhamento de doentes dependentes, os dados de dispositivos de leitura de atividade e monitorização de parâmetros biométricos, hoje cada vez mais disseminados. Todas estas são plataformas transacionais, aplicações que "alimentam" o RSE.

Esta visão exige a definição de um modelo de governação, que dê resposta a um conjunto de requisitos, dos quais realçamos:

Governação e gestão de dados - o maior ativo do sistema de informação, obriga a definir a sua qualidade, disponibilidade funcional e temporal, os perfis e níveis de acesso, a sua segurança, o seu armazenamento entre outras;

Interoperabilidade e integração - três dimensões essenciais:

a) Semântica, que garante que diferentes nomenclaturas, escalas e ou linguagens traduzem o mesmo conceito;

b) Tecnológica, que, através da definição de requisitos e normas, garante a interoperabilidade dos dados das diferentes aplicações e dispositivos;

c) Funcional, que garante a disponibilidade, acesso e utilização nos diferentes pontos de contacto do percurso de cuidados, resolvendo aspetos de portabilidade e mobilidade.

Cibersegurança - a proteção dos dados, a sua integridade e inviolabilidade, a gestão do acesso seja por diferentes perfis, contextos e finalidades, entre outros.

Arquitetura do sistema - uma visão global e funcional de futuro, alicerçada em aspetos essenciais, tais como: modularidade - o caminho não está todo definido, sendo esta mudança um exemplo de políticas adaptativas de descoberta e criação do caminho; redesenho dos processos - não basta informatizar, temos que simplificar, redefinir o que deve acontecer; conseguir o difícil equilíbrio entre parametrização e personalização.

Literacia/capacitação

Esta é uma componente funcional essencial. Configura o dispositivo de gestão do conhecimento, imprescindível, para responder à exigência da construção continuada de uma rede de inteligência colaborativa que suporte este processo de mudança.

Tem como dimensões essenciais: instrumentos para as pessoas - capacitando-as na tomada de decisões informadas, na construção e acompanhamento dos seus planos individuais de cuidados; apoio aos profissionais - à decisão clínica e aos processos de melhoria contínua; prestação de contas e transparência.

Naturalmente que esta visão deve responder aos requisitos do International Patient Summary, projeto europeu, liderado pela eHealth Network, organização europeia que definiu a visão estratégica integrada da digitalização da saúde na Europa.

O PRR contempla 300 milhões euros para a transição digital na Saúde, e identifica os seus principais desafios e bloqueios, agrupando as suas medidas em 4 pilares - cidadão, profissionais, registos nacionais e rede.

Temos uma oportunidade histórica de concretizar esta visão. Saibamos aproveitá-la.

Diretor Executivo do ACeS do Baixo Mondego

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