Ciara é o nome da tempestade que se abate neste fim de semana sobre as Ilhas Britânicas. Além da previsão de vento e chuva fortes, outro fenómeno extremo pode decorrer neste sábado, caso as sondagens se confirmem. O Sinn Féin, partido nacionalista e republicano que venceu as primeiras duas eleições legislativas na Irlanda (sob a dependência do Reino Unido) em 1918 e 1921, pode voltar a vencer, mas desta vez na independente República da Irlanda. Um cenário que até há poucas semanas ninguém julgaria possível, nem os próprios dirigentes do partido, uma vez que só vai apresentar 42 candidatos aos 158 lugares do Dáil Éireann, o parlamento de Dublin.."Se quer de facto uma república irlandesa vote Sinn Féin". Um cartaz reproduz nas ruas de Dublin o que foi usado na campanha de 1918 e que deu a vitória aos nacionalistas. A mensagem não é nova, mas estará a passar. No ano passado teve 10% dos votos nas eleições autárquicas e agora manteve uma trajetória de crescimento, terminando em primeiro nas sondagens, com 25%..O projeto de reunificação da ilha agrada à larga maioria dos irlandeses. A última sondagem, revelada pelo Times de Londres, dá conta de que quatro em cinco desejam o fim da separação política. Porém, 40% querem que aconteça na próxima década, 19% nos próximos 20 anos, 12% num prazo de três décadas e 8% não se importam que demore mais tempo. Ou seja, a prioridade não é essa para estas eleições, apesar de o Sinn Féin prometer a realização de um referendo, tal como está previsto no Acordo de Sexta-feira Santa, e ambicionar a unificação no espaço de uma geração..Nos debates, nas redes sociais, nas colunas de opinião, um tema dominou - e também não foi o Brexit, tema do qual o primeiro-ministro (ou taoiseach) Leo Varadkar se desembaraçou com nota positiva, segundo os estudos de opinião. No palco internacional, o candidato pelo Fine Gael também brilhou ao conseguir assegurar a inexistência de uma fronteira entre a província britânica e o resto da ilha, bem como ao afastar os controlos fronteiriços para o mar entre Inglaterra e a Irlanda. O homem que foi eleito há três anos entre os pares para substituir o demissionário Enda Kenny manteve um período de graça prolongado, apesar de governar em minoria com o apoio parlamentar do Fianna Fáil..A República da Irlanda recuperou com sucesso da crise financeira de 2008 e hoje é o país com maior crescimento económico na União Europeia. Mas um problema social cresceu de forma quase descontrolada: a habitação. Preços de arrendamento a subir em flecha - as rendas aumentaram 90% em nove anos enquanto o salário médio cresceu 13%, segundo a BBC -, listas de espera na habitação social e números preocupantes de menores sem-abrigo e de famílias em alojamentos de emergência levaram a uma crise que não foi enfrentada em tempo. Até ao final do século passado o arrendamento era uma situação temporária, mas nos últimos anos generalizou-se. Segundo o censo de 2016 são 36% as pessoas que arrendam casa em áreas urbanas..A forma como o ministro responsável pela pasta, Eoghan Murphy, lidou com a situação, ao referir-se de forma elogiosa aos novos apartamentos desenhados para partilha (ou co-living) como "muito na moda, uma espécie de boutique hotel", não caiu bem no eleitorado, tal como o governo ter deitado as responsabilidades para o Fianna Fáil, fora do executivo desde 2011. O governo sobreviveu a várias moções de censura, até que, em meados de janeiro, e já com o Brexit tratado, Varadkar anunciou eleições antecipadas..Coligação à vista.O Sinn Féin falou para as gerações mais velhas, ao prometer a redução da idade de reforma de 66 anos para 65, ao contrário do que está planeado (aumento para os 67). Mas falou sobretudo para os mais novos, ao propor um congelamento das rendas durante três anos, um reembolso fiscal equivalente a um mês de aluguer e a construção de cem mil fogos em terras públicas no espaço de cinco anos. Estas e outras medidas sociais propostas seriam custeadas pelo aumento de impostos aos bancos e às multinacionais que operam na Irlanda..Com as sondagens a indicarem três partidos tão colados, ninguém arrisca quem será o vencedor. Duas coisas são certas: os eleitores pediram mudança e perspetiva-se um governo de coligação. À esquerda, sociais-democratas, trabalhistas e verdes poderão querer fazer parte de um executivo com o Sinn Féin, embora não se anteveja que juntos perfaçam 80 deputados para a maioria parlamentar. Já os líderes do Fianna Fáil e do Fine Gael recusam trabalhar com a formação associada ao Exército Republicano Irlandês (IRA).