Sindicatos abrem guerra na saúde contra prescrições por outros profissionais

Federação Nacional dos Médicos enviou uma carta ao governo, onde diz não ter sido ouvida para o diploma que regula o ato em saúde
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Portugal vai ter pela primeira vez um diploma que define o que é que cada profissão da área da saúde pode fazer, mas o documento não agrada a todos. A Federação Nacional dos Médicos enviou uma carta ao Ministério da Saúde a criticar o facto de não ter sido ouvida e a atacar a possibilidade dada a outros profissionais de fazerem diagnósticos e poderem prescrever. Para o sindicato, não ficam claros alguns limites nessas competências. Uma posição da qual a ordem dos Médicos discorda, uma vez que considera o texto equilibrado. Já a Ordem dos Enfermeiros congratula-se com o facto de finalmente ficar escrito aquilo que os enfermeiros já fazem todos os dias.

O diploma que regula o ato em saúde, lê-se no projeto, "procede à definição e à regulamentação dos atos do biólogo, do enfermeiro, farmacêutico, médico, médico dentário, nutricionista e psicólogo". Na definição dos vários atos, escreve a FNAM, verifica-se que "quase todos passam a poder diagnosticar e prescrever". Além disso, critica, "a redação estabelecida para a chamada "definição do ato médico" não difere, na sua formulação, da maior parte dos que ali estão referidos." A Federação fala, por isso, num "esvaziamento claro do Ato Médico e das competências técnico-científicas da profissão médica".

Merlinde Madureira, presidente da comissão executiva da FNAM, explica ao DN que "a crítica é em que condições é que [os outros profissionais, nomeadamente os enfermeiros] podem fazer diagnóstico e prescrever. É verdade que todos os profissionais fazem diagnóstico, mas até onde podem ir?". Na opinião da representante, que lamenta o facto de a Ordem "não ter despoletado uma discussão entre os médicos", não existe "uma distinção clara entre o diagnóstico dos médicos e os outros". Quando se usam "termos vagos", afirma Merlinde Madureira, "complica-se em vez de ajudar".

Ao DN, José Manuel Silva, bastonário da Ordem dos Médicos, reconhece que "provavelmente, nenhuma das ordens terá ficado totalmente satisfeita com o resultado final", mas acredita que o diploma "representa o equilíbrio possível entre todas as posições que debateram os limites e definições das suas profissões". Idealmente, explica, a definição do ato médico "seria mais extensiva".

Reconhecendo que ficou surpreendido com o comunicado da FNAM, José Manuel Silva garante que não serão retiradas quaisquer competências aos médicos. "O veterinário também prescreve, mas medicamentos próprios para animais", exemplifica.

A elaboração do diploma, que ainda está a ser ultimado, envolveu a participação dos bastonários das diferentes ordens e, segundo a exposição de motivos, terá convidados os sindicatos representativos das profissões a manifestarem-se. "É resultado de muitas horas de trabalho e reflexão", conta José Manuel Silva. E era reclamado há muitos anos. "Era uma necessidade antiga para clarificar os atos próprios de cada profissional de saúde e para combater o exercício ilegal das seis profissões que agora veem definidos os seus atos próprios", diz o bastonário da Ordem dos Médicos.

Contactado pelo DN, o gabinete do Ministro da Saúde garantiu ter apresentado à FNAM, em agosto deste ano, o Projeto de diploma do Ato em Saúde. "Temos documentos que o provam, pelo que não é verdade que a FNAM não tenha tido conhecimento do documento e após ter tido conhecimento poderia ter enviado os seus contributos e sugestões", esclareceu.

A primeira versão do documento apresentada pelo Governo não agradou à Ordem dos Enfermeiros, que naquela altura considerou que o documento lhes retirava competências e ocultava funções que realizam no dia-a-dia, como a avaliação diagnóstica e prescrição de intervenções terapêuticas. Foram propostas alterações, que acabaram aceites. "Os enfermeiros fazem diagnóstico, prognóstico e prescrevem na sua área de atuação. Não estamos a falar de diagnósticos médicos", esclarece Ana Rita Cavaco, bastonária da Ordem dos Enfermeiros, acrescentando que "o ato em saúde só define o que já está regulado para cada uma das profissões e que já é feito há muito tempo."

Numa consulta de enfermagem de saúde infantil, o enfermeiro faz "o diagnóstico do problema da criança", vai "delinear uma intervenção" e "até pode prescrever cuidados de enfermagem".

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