Quando as forças policiais reprimem um povo para abafar a democracia, isso é connosco? Quando o direito ao voto é recusado e a violência é o recurso para abafar a vontade de um povo, isso é connosco?.Se a liberdade de associação é negada e a sede de um partido político é cercada por forças policiais, isso é connosco? Se a polícia apreende propaganda eleitoral e faz buscas a tipografias e encerra páginas web, isso é connosco?.E se um movimento popular pacífico for reprimido por uma violência que provoca centenas de feridos e pelo menos um morto, isso é connosco? Quando a liberdade de expressão é suprimida, direitos cívicos e políticos são contrariados, isso é connosco?.A rusga a jornais e órgãos de comunicação e ameaças que roçam a censura, são connosco? As intimidações a membros de governo, autarcas e funcionários públicos, são connosco?.As perguntas que coloquei não podem ter quaisquer dúvidas ou veleidades quando respondidas por democratas: sim, é connosco! Aconteça onde acontecer, com quem acontecer, não há democrata que possa calar perante os atropelos aos direitos fundamentais. Se a liberdade e a democracia estão em causa, sim, é connosco!.É por isso que o debate sobre a situação catalã é essencial! O que está a acontecer na Catalunha não é apenas uma questão interna do estado espanhol exatamente porque são direitos fundamentais que estão a ser colocados em causa. Dizerem para desviarmos o olhar, mudarmos de canal de televisão quando passam as notícias da repressão ou ignorarmos a violência de estado, só é possível para quem coloca também na prateleira a sua consciência. Não o consigo compreender..Um argumento que se repete é que Espanha é o nosso principal parceiro comercial e que temos de avaliar o que se passa na Catalunha com cuidado, devido à proximidade geográfica que temos. O direito ao voto só pode ser defendido à distância de um oceano ou de um continente? Ou deve ser negociado como uma mercadoria? Desculpas de quem confunde princípios com retórica..A constituição portuguesa diz que um dos princípios das nossas relações internacionais é o do reconhecimento dos povos à autodeterminação e à independência. Lembramo-nos como o defendemos para Timor, como saímos à rua face à violência que matou milhares e como foi possível ganhar essa luta. Por que razão nos dizem agora para ignorar a nossa constituição e defender a repressão que Madrid está a exercer sobre o povo catalão?.O governo de Rajoy agita a bandeira da legalidade para agir na ilegalidade. Quem já o denunciou foi a Amnistia Internacional ou a ONU. O governo português vai continuar a fingir não ver a violência? É que neste caso o silêncio é cúmplice da supressão de direitos fundamentais. Como dizia Manuel Alegre, "não podemos criticar a Polónia, a Hungria e a Turquia e assobiar para o lado e dizer que o problema da Catalunha é um problema interno de Espanha"..O governo catalão anunciou a declaração da independência para o início da próxima semana. De Madrid, ameaça-se com o exército e a entrada de tanques em Barcelona. Já escrevia Brecht que "do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem". É essa a responsabilidade de Rajoy e da elite espanhola que ao longo do tempo negaram o aprofundar da autonomia catalã e empurraram a Catalunha para este desfecho..Nas ruas da Catalunha há a consciência que se vivem dias históricos. Provavelmente assistimos ao principal acontecimento do séc. XXI na península ibérica. Quando os jovens saem às ruas gritando pela democracia, pela república, cobertos com a bandeira catalã, estão a forjar nesta luta a consciência política de toda uma geração. São a garantia que a luta pela independência não irá esmorecer, bem pelo contrário..Assistiremos à entrada de tanques na Catalunha na próxima semana? Serão os membros do governo catalão presos logo após a declaração de independência? Irá Rajoy criar novos mártires na Catalunha com estas prisões? Saberemos em breve..A Catalunha é uma nação, com uma identidade, língua e cultura próprias. Respeitemos o seu direito a decidir e sejamos coerentes com a nossa própria constituição. Afinal de contas, ela também cheira aos cravos que foram distribuídos em vários locais de voto do referendo catalão.