Silenciosamente sós

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Por dimensão, geografia e menor dependência do gás natural russo, Portugal goza de uma invejável tranquilidade no que concerne à guerra da Ucrânia. Apesar disso, as nossas cidades não foram menos solidárias com o povo ucraniano, nem a nossa sociedade menos atenta ao seu acolhimento e apoio. A nossa distância física do conflito não nos fez menos próximos da defesa deste país, da sua liberdade e da sua democracia. Fizemo-lo com uma naturalidade louvável, instintiva e quase unânime. Precisamos, agora, de transportar esse sentido de urgência para os nossos decisores.

No maior exercício da NATO em 30 anos, segundo a edição do Expresso deste fim de semana, Portugal enviou apenas 18 soldados em cerca dos 30 mil que o compuseram. O Banco de Portugal, dirigido pelo outrora tão diligente Mário Centeno, congelou somente 242 euros de dinheiro russo em território português. O nosso Estado e o nosso corpo político vão deambulando num alienado limbo entre o alheamento do sentimento popular, que apoia a Ucrânia, e a indiferença à realidade internacional, que mudou com a Ucrânia.

O primeiro-ministro italiano, Mario Draghi, antecipou no encontro informal de líderes em Versalhes que a autonomia estratégica e energética da União Europeia custará um valor a rondar os 3 triliões de euros. Por cá, continuar a empurrar com a barriga, fingindo que nada se passa, como se os eventos históricos que estamos a viver não tivessem consequências nas nossas vidas, corresponde a um ato de profunda irresponsabilidade. Os Orçamentos do Estado serão diferentes, a arquitetura dos governos será diferente, o Estado social europeu será diferente. Terá de o ser. E se os nossos políticos desejam verdadeiramente estar à altura do momento, este é o tempo da pedagogia, do debate para novas soluções, de dizer ao que vamos, de apontar um rumo.

Com as limitações que um governo por tomar posse obviamente implicam, a vacuidade com que o ainda ministro da Defesa Nacional vem tratando este dossier não é amiga desse propósito. "Provavelmente vamos ter de reforçar o investimento nos próximos anos, em linha com os outros países", mas isso "ainda não foi discutido". À saída de uma reunião da NATO, esta semana, João Gomes Cravinho proferiu nova lapalissada, assegurando que "a Defesa terá de ser devidamente contemplada" nos próximos quadros orçamentais. O primeiro-ministro, que tem uma pandemia e uma crise económica com que se preocupar, também se tem esquivado a qualquer discurso mais comprometedor sobre a área. 18 soldados e 242 euros foram um reflexo desse descuido. Portugal é orgulhosamente democrata nas ruas e silenciosamente solitário no mundo. Com ou sem lideranças aptas a enfrentá-lo, esse é um facto de que não se poderão fugir depois da invasão russa à Ucrânia: dificilmente poderão continuar assim.

O preço da sobrevivência também se paga em democracia. De uma forma ou de outra, vamos pagá-lo. Resta saber se com sinceridade na relação entre eleitores e eleitos e, sobretudo, com uma visão concreta sobre o que queremos fazer disto. Até agora, nada.

Colunista

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