As sextas são os dias mais bastardos, para onde se empurram as tarefas ingratas dos outros todos, são uma gaveta cheia de "quando puder trato disso", de "depois logo se vê", e de muitos "espero que não se tenha esquecido...". Com estes me fui entretendo até serem 14 horas e me ver obrigado a interromper a urgência em prol do inadiável..Entrei na primeira tasca que encontrei à procura de uma sopa e de uma sandes, a fast food das tabernas verdadeiras, onde as toalhas são de papel, as marcas dos vinhos são branco ou tinto e onde nunca entrou uma folha de rúcula ou foi vertida qualquer gota de balsâmico..Um lugar disponível numa mesa já ocupada, pergunto a um rosto meio roxo meio encarnado se me dá licença. O homem olha para mim, faz uma pausa e responde com sílabas em vinha-d'alhos:.- Está a ver alguém aí sentado?.Durante os 15 minutos que durou a refeição pude partilhar das opiniões vivazes, embora não demasiado articuladas, do meu comensal. Grunhidos, alguns gritos, muitas perguntas e convites à participação de que me fui esquivando como pude. Toca-lhe o telemóvel e ouço-o discutir com uma pobre senhora a propósito de um trabalho para o qual, a fazer fé na senhora, ele não tinha qualificações..- Certificado de quê? Quero lá saber dessa merda, eu tenho a quarta classe antiga, está a perceber? É mais do que o nono ou o décimo segundo ano!.A chamada foi resvalando por ali abaixo, insultos, murros na mesa, várias chamadas de atenção dos demais clientes e do próprio taberneiro. Passou-me a fome a meio da sandes e saí sem tomar café..O episódio recordou-me a infância e a taberna do meu avô, em Montemor-o-Velho. As mesmas vozes entarameladas a pedir copos de três e a vociferar contra o mundo. As mesmas artes de taberneiro, lidando os clientes como se fossem touros, sem nunca os enfrentar diretamente, tentando apaziguá-los ou dirigi-los para a porta. A violência à procura de uma desculpa, a ignorância, a pobreza, vidas inteiras de más decisões impugnadas a terceiros - ao governo, aos patrões, às mulheres. A certeza, a terrível certeza, de que aquilo era apenas um preâmbulo, antes dos berros, dos punhos, do sangue e da vergonha..Escritor