Como comenta a "brutal" reação de Donald Trump à morte de Fidel Castro? É provável uma diferente abordagem do futuro presidente a Cuba comparada com a de Barack Obama?.É um péssimo sinal, e em conjunto com os atos e nomeações do presidente eleito indica uma rejeição da aproximação a Cuba feita pelo presidente Obama. Trump nomeou Michael Flynn como seu conselheiro de Segurança Nacional. Este general diz que os Estados Unidos enfrentam uma "aliança global" em que empacotou juntos a Coreia do Norte, Cuba, Venezuela e o fundamentalismo islâmico. Este falso diagnóstico só distrai dos perigos reais e entorpece a cooperação com os aliados que não o partilham. A questão hoje é quão radical vai ser a mudança de rumo. Cuba não é uma prioridade para a política externa norte-americana, pelo que é possível que o dossiê da ilha fique sob a alçada das lógicas institucionais do Departamento de Estado. Essa não tem sido a prática histórica. Dado o vazio criado pela falta de atenção, frequentemente a racionalidade da política externa tem sido abandonada na relação bilateral com Cuba e intrometem--se os grupos de interesse e de pressão pró-embargo do Sul da Florida. Toda a reversão dos passos dados por Obama é possível, pois são ordens executivas que dependem da vontade do presidente em funções. Na prática, é difícil que Trump reverta a abertura de embaixadas ou volte a incluir Cuba na lista do Departamento de Estado de nações terroristas. Cuba não tem cadastro algum nessa área e a sua inclusão desacreditaria a própria lista como instrumento de política externa..Em Miami houve exilados a celebrar a morte de Fidel. Quão profundo é o ódio da comunidade cubano-americana aos Castro?.É um ódio bem assente nos traumas causados pela revolução cubana, que não foi um passeio pela praia, cometendo atropelos, e também na cultura política, do ressentimento e da vitimização hiperbolizada reproduzida em Miami que chega à mentira de comparar Fidel Castro com Hitler e Estaline. Tanta festança pela morte natural de Fidel Castro é uma confissão de derrota e a ausência de uma cultura da vida..Até que ponto os cubano-americanos são diferentes dos outros hispânicos que vivem nos Estados Unidos? São os únicos que votam maioritariamente nos candidatos republicanos?.O voto cubano mudou nos últimos anos, surgindo um consistente terreno democrata próximo dos 45% em Miami e próximo dos 50% se se contabilizam os cubanos que vivem noutras partes dos Estados Unidos. Ao contrário de outras comunidades hispânicas, a comunidade cubano-americana é o resultado de um transplante para solo dos Estados Unidos das elites pré--revolucionárias, com uma grande componente de classe alta e média e modelos de educação política anticomunista, discriminação racial e elevada participação política. Esses traços impulsionaram uma aliança com o Partido Republicano. Isso, porém, tem vindo a mudar com as últimas levas de imigrantes e com os cubanos que crescem dentro da cultura norte-americana..Como analisa a estratégia de Obama em relação a Cuba?.A estratégia de negociação de Obama baseia-se no interesse nacional e nos valores norte-americanos, incluindo um reconhecimento corajoso do fracasso de mais de 50 anos de política imperial coerciva dos Estados Unidos contra Cuba. Não é uma cedência ao governo cubano mas sim um ajuste funcional para preservar a liderança norte-americana numa ordem global e regional em que Cuba está integrada politicamente na América Latina com relações estáveis com os aliados norte-americanos na Europa, Canadá e Japão e atitudes positivas em relação a Havana por parte da Rússia e da China, os rivais estratégicos da ordem liberal que Washington encabeça..Como cubano, como avalia o legado de Fidel?.Fidel Castro foi o político que deixou maior marca na história de Cuba e o cubano que desempenhou o papel mais influente nos assuntos globais. Seria ingrato que muitos povos em África e na América Latina não lhe rendessem tributo. Cuba sob a sua liderança enviou milhares de soldados, médicos e professores a todos os confins do mundo para enfrentar as tropas racistas do apartheid sul-africano, as doenças como o ébola e o analfabetismo. Ao falar -se de Fidel Castro e dos direitos humanos, esse apoio à saúde global e à igualdade racial de milhões tem de ser tido em conta. Com Fidel, o nacionalismo cubano derrotou o intervencionismo norte-americano reivindicando a soberania e independência cubana. Da mesma forma, removeu a atitude indolente da classe política anterior perante os sérios problemas de racismo, de distribuição da riqueza e de pobreza. Cometeu abusos e erros? Sem dúvida. Quaisquer que tenham sido as vitórias da revolução cubana em termos de independência nacional, justiça social e estatuto internacional, nem uma economia desenvolvida sustentável nem uma democracia com direitos cívicos e políticos de acordo com os padrões internacionais estão entre elas. Montou um modelo económico de forte cunho antimercado que provou ser uma barreira à prosperidade económica apesar de um investimento significativo na educação e na saúde. É importante que juntamente com a crítica aos seus defeitos se faça um balanço das suas vitórias e vice-versa..Teremos de esperar pelo pós-Raúl Castro para assistir a uma verdadeira democratização da ilha?.Já existe um processo de liberalização que expande os direitos religiosos, de viagem, de propriedade privada. Essas liberdades são multiplicadoras de outros direitos. É óbvio que sem eleições multipartidárias qualquer democratização é incompleta mas esse passo deve ocorrer no final e não no início do processo democratizador. As eleições multipartidárias sem estabilizadores tendem a criar polarizações e violência..Como hispânico a viver no Texas, como vê o futuro das populações de cultura e língua espanhola nos Estados Unidos e da relação dos Estados Unidos com a América Latina?.A eleição de Trump culpa os imigrantes hispânicos, na sua maioria mexicanos, de uma suposta perda de terreno dos Estados Unidos frente a outros países. É um mau diagnóstico que produz tensões trágicas com expressões racistas e xenófobas. Mas, no espaço de um lustro, vários estados dos maiores da União Americana terão uma maioria de minorias, com predomínio hispânico. Na Califórnia, Texas, Florida e Nova Iorque há distritos escolares inteiros onde os hispânicos são a maioria esmagadora. A fronteira política está no Rio Grande mas os Estados Unidos são o segundo país em número de falantes do espanhol, com 41 milhões que têm esta língua como idioma materno e 11,6 milhões mais que o falam com limitações.