Os brasileiros costumam ser mais expansivos sem conterem o que sentem ou o que ambicionam. E as brasileiras também, como é exemplo Suzane Pires, luso-brasileira internacional por Portugal desde novembro de 2015. A atual extremo esquerdo do Santos não tem problemas em dizer o que lhe vai na alma e nem mostra muita atenção ao facto de Portugal ser estreante numa fase final de um Europeu (que arranca hoje na Holanda), muito menos de ser a seleção com o ranking mais baixo de todas - 38..Quando lhe perguntamos se a seleção feminina pode fazer na Holanda o mesmo que a masculina almejou no ano passado em França, Suzane arregala os olhos e arma o sorriso antes de dar uma resposta desconcertante. "Seria muito bom. Eu penso que tudo é sempre possível, não há certezas no futebol. A única certeza que existe é que vamos dar tudo em campo em todos os jogos", refere confiante..Suzane, apesar de saber das dificuldades que Espanha, Escócia e Inglaterra podem causar, considera que "passar a fase de grupos não é impossível". Insistimos com a constatação de Portugal ter o mais baixo da competição - 38.º. Mas Suzane não desarma, mesmo sabendo que Espanha (13), Escócia (21) e Inglaterra (cinco) estão muitos furos acima no que diz respeito ao estatuto, o que refreia a ambição da futebolista nascida em São Paulo: "Quando entrarmos em campo o ranking não interessa para nada. Vão ser onze de um lado e onze do outro, não vejo como o ranking possa afetar. Temos vontade de mostrar que o ranking não interessa.".A ambição é tanta que a esquerdina tem um sonho, no qual entra o futebolista da seleção masculina, que vê como um exemplo. "Gosto muito do Cristiano Ronaldo. Ele nasceu com um dom mas trabalha no duro e eu acho isso bonito. No treino é o primeiro a chegar e o último a sair mesmo depois de tudo o que conquistou. Seria bom demais chegarmos à final e termos o Ronaldo a assistir [risos]... quem sabe isso não pode acontecer?", questiona com um sorriso desarmante como quem pergunta se sonhar é proibido..Acordada a noite inteira.Não contámos ainda como surgiu a oportunidade de Suzane representar Portugal. A forma como a atleta nos descreve pormenorizadamente como se deu esta possibilidade chega a ser contagiante pela alegria colocada em cada palavra.."O meu avô paterno nasceu em Portugal, perto de Braga. Eu tinha dupla nacionalidade porque os meus pais quando tinha 14 anos mudaram-se para a Alemanha e depois eu com 21 anos comecei a jogar pelos Boston Breakers como portuguesa porque assim não pagava uma taxa devido a um acordo entre Portugal e os Estados Unidos. Entretanto, a treinadora Emily Lima [atual selecionadora do Brasil] falou com a Mónica Jorge, diretora da Federação, e o selecionador Francisco Neto viu alguns jogos meus depois de ter ido ao site dos Boston Breakers, onde eu só apareço como portuguesa", conta. Mas esta é ainda a primeira parte de uma história deliciosa. A segunda deu-se no final de 2015.."Na primeira vez que vim à seleção sabia que tinha sido pré-convocada, mas desconhecia se estava na convocatória final. Se fosse convocada recebia um e-mail e então fiquei acordada até às cinco da manhã, hora do Brasil. Não conseguia dormir, estava muito ansiosa. Quando finalmente recebi fui acordar os meus pais e o meu irmão. Lembro--me de que a minha mãe me dizia "parabéns, mas agora vai dormir". Umas horas mais tarde fez-me um pequeno-almoço maravilhoso", diz..A verdade é que Portugal se antecipou ao Brasil na corrida por esta futebolista. "Quando era bem pequena joguei pelo Brasil mas era uma competição não oficial. Estipulei que a primeira seleção que me chamasse eu iria mas no meu íntimo tinha muita vontade de que fosse Portugal, por causa da família do meu pai. E sinto que foi a escolha certa. Depois disso ainda me perguntaram mas eu disse que estava decidida", sublinha..Um casamento à distância.Suzane representa, como já foi referido, o Santos, e no clube de São Paulo tinha a companhia do marido, o guarda-redes Gauther, que se vinculou ao Nacional da Madeira.."Pelo menos durante seis meses vai ser um casamento à distância. Tenho contrato com o Santos até dezembro e depois do Europeu tenho de pensar nessa situação. Não há nenhuma equipa de futebol feminino na Madeira, mas o ideal seria vir para uma equipa portuguesa, sempre ficávamos mais perto. Convites? Não, não falei ainda com ninguém, até por respeito ao Santos e ao contrato que estou a cumprir. Bom era que conseguíssemos estar no mesmo clube", explica.