Sérgio Conceição, o frio e cerebral

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Que o FC Porto está a jogar um grande futebol, o melhor deste país por este outono, só os mal--intencionados ou aqueles com agendas próprias podem duvidar. Em contrapartida, se vai manter-se no topo até maio e ser campeão, como Sérgio Conceição voltou nesta semana a dizer que queria que acontecesse, só os estupidamente crentes podem desde já garantir. Porque à partida muita coisa pode acontecer: uma onda de lesões num plantel que é, de facto, mais curto em profundidade do que os dos rivais diretos, uma quebra de rendimento ou até um desequilíbrio numa estratégia de comunicação que vive no fio da navalha, como tem de ser sempre com o genuíno mas superemocional Sérgio Conceição e na realidade de guerrilha comunicacional em que vive o futebol português.

Além de estar a revelar-se um excelente treinador de futebol - à frente de uma excelente equipa técnica -, Sérgio Conceição tem mostrado coisas que, de facto, fazem pensar que ele podia ser "primo de Mourinho", como disse Sergio Ramos a propósito do episódio Casillas. Um episódio que foi criado acima de tudo para aumentar a profundidade do grupo, mandando lá para dentro a mensagem de que todos contam. Com pontos de contacto com aquilo que Mourinho fez com Baía, em tempos. Mas querem saber mais? No topo das afinidades está uma muito simples: Conceição pensa pela própria cabeça e chega a estar-se nas tintas para o que acham do que ele pensa e diz, como se viu na forma como se desmarcou das críticas feitas pela comunicação do clube à gestão de Danilo e José Sá pelo selecionador nacional nos particulares contra a Arábia Saudita e os Estados Unidos. É o tipo de coisa que os observadores neutros muito apreciam, porque revela independência intelectual e inteligência. E o tipo de coisa que os rivais aplaudem entusiasticamente, antevendo que a guerrilha comunicacional onde está a jogar-se esta Liga possa vir a ter ali um rombo. Já os portistas dividir-se-ão. Uns acharão que o treinador tem razão; outros recearão a divisão interna.

Ao ser expulso no jogo contra o Portimonense, Sérgio Conceição mostrou que não amansou o turbilhão de emoções que vive dentro dele desde os tempos em que era futebolista, que não se tornou um tipo frio e exclusivamente cerebral. Sempre foi um jogador sanguíneo e continuou a ser um treinador com os nervos à flor da pele, como se viu, por exemplo, mais do que na forma como saiu do SC Braga, em conflito com António Salvador, no modo como reagiu ao facto de ter tido de esperar para dar a flash interview após essa final da Taça de Portugal, perdida nos penáltis com o Sporting. Portanto, Conceição não está brando. A guerrilha comunicacional é que está demasiado agressiva para ser subscrita por quem leva a sério o seu trabalho, como é o caso do treinador do FC Porto.

A questão aqui, além do mais, não é a de se perceber se Conceição teve razão no episódio José Sá e Danilo. Porque teve. É a de se perceber - ou tentar adivinhar - se o facto de ele ter posto a razão à frente dos mind games afeta a política do clube. Porque esta genuinidade nem sempre dá bons resultados. Dependerá em grande parte da avaliação da força que estiver por trás dele. Veja-se o caso de Mourinho, por exemplo: o "primo" do treinador do FC Porto foi o primeiro a arrasar a gestão de Phil Jones pelo selecionador inglês no particular com a Alemanha. Por duas razões. Primeiro, porque o que se passou com Jones foi realmente grave - pelo menos a crer nas acusações de Mourinho. Depois, porque ao contrário de Sérgio Conceição, Mourinho não está à frente da Liga. Segue mesmo, na tabela, muito atrás do City.

Atenção que estas críticas de Mourinho não devem ser vistas como um sacudir de água do capote face a um previsível insucesso, mas sim como uma estratégia de união interna para ir atrás do sucesso. Não são desculpas, são armas estratégicas. E é essa distinção que resta perceber se Sérgio Conceição e a comunicação do FC Porto serão capazes de fazer em condições de manter a equipa no topo. Os próximos meses responderão à dúvida. Para já, resta apenas a hipótese de constatar que, como está o futebol em Portugal, até o sempre explosivo e genuíno Sérgio Conceição parece um tipo ponderado e cerebral. E isso dá que pensar. Ou devia dar, pelo menos.

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