Sérgio Barbosa: "Na pior das hipóteses os espeleólogos saem por onde entraram e têm de subir 600 metros"

Vice-presidente da Federação Portuguesa de Espeleologia e espeleólogo, Sérgio Barbosa faz explorações em grutas quase todos os fins de semana e já esteve dentro da Cueto-Coventosa, em Arredondo, Cantábria. Explica como se faz o resgate dentro desta gruta.
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Sérgio Barbosa, 39 anos, pertence à Liga para a Proteção da Natureza, um dos vários clubes de espeleologia que a Federação Portuguesa de Espeleologia agrega, e já esteve várias vezes em Cueto-Coventosa. A última foi em 2017, antes do verão. Demorou cerca de 16 horas, menos do que as habituais 20 que se calcula que demore a travessia. Explica ao DN como se faz a travessia e como podem ser retirados os quatro portugueses que iniciaram no sábado a sua expedição e que, não tendo saído ao fim de 30 horas, estão a ser alvo de resgate por parte das autoridades espanholas.

A entrada Cueto fica no topo da montanha, Coventosa fica no sopé e é uma nascente. Tem dois nomes, que vêm do tempo em que não se sabia que estavam ligadas. As grutas são conhecidas desde sempre, as explorações de espeleólogos começaram em 1958. Em abril de 1979, um grupo conseguiu realizar a ligação entre ambas.

Em dezembro desse ano, um segundo grupo completou com êxito a travessia. Entre uma e outra, temos um desnível de mais de 600 metros. Entra-se no Cueto e sai-se na base em Coventosa. As galerias mais abaixo têm mais água do que o normal e é isso que está a impedir a saída do grupo. Mas como se sai da gruta Cueto-Coventosa? Sérgio Barbosa explica.

Já esteve em Cueto-Coventosa. O que tem de interessante esta gruta na Cantábria?
As grutas são os grandes reservatórios de água que existem no planeta. Numa altura em que a água é cada vez mais escassa, cartografá-las é sempre importante. Esta é uma gruta com uma grande dimensão. Não é muito visitada, mas entre os espeleólogos é muito conhecida. Na parte final, as galerias são maiores, em altura e largura, do que o nosso metro. Não se consegue ver o teto. Estamos habituados a grutas estreitas, mas as condutas finais na Coventosa são enormes. De cor não sei, mas lembro-me de apontar a luz para cima e não conseguir ver.

Quanto tempo demora a travessia?
A travessia normal é de 20 horas. Nós conseguimos fazer em 16 horas. Normalmente não se faz nesta altura do ano, mas sim mais próximo do verão para não haver estas contingências.

As condições meteorológicas estão a impedir a saída dos quatro espeleólogos portugueses?
Choveu mais do que se estava à espera e esta chuva bloqueou a passagem. Eles estarão antes dos três lagos. Estes três lagos, com muita chuva, transformam-se num só lago já na zona da Coventosa.

O que se leva para uma expedição como esta?
No dia antes entramos pela Coventosa e vamos deixar os fatos de neopreno depois dos três lagos, pois quando se chega aqui a água está a cinco, seis graus. É impossível estar sem fatos. Outra solução é entrar com estes fatos e carregar durante a expedição pela gruta toda. Qual é o problema? Carregar a gruta toda vai atrasar mais a travessia. Vamos estar mais carregados. Também levamos boias para fazer as passagens. Só para passar os lagos [e deixar os fatos] são cinco horas. A descida pelo Cueto até Coventosa são umas 15 horas. A entrada é um poço de 300 metros, até chegar a uma zona um pouco mais estreita e depois atingir essa zona mais horizontal que já pertence à Coventosa. É o mesmo sistema, a gruta é a mesma. Quando começaram a ser exploradas não se sabia que estavam ligadas.

O que tem de especial Cueto-Coventosa?
A dimensão é fora do normal para os padrões portugueses. Em Portugal, a maior é a gruta da nascente do Almonda, nas Serras de Aire e Candeeiros.

Como se pode resgatar os espeleólogos que estão presos em Cueto-Coventosa?
Já participei em treinos de resgate, por acaso com o Esocan, que é quem está a tratar desta situação, que é complicada. Nestes túneis costumamos passar junto ao chão. Quando tem água a mais, nas paredes laterais colocamos cordas para andar acima do nível da água. Também se pode entrar pelo Cueto, mas também vai demorar umas 15 horas e vai ser muito difícil. Têm de subir 600 metros.

Há zonas onde podem estar a salvo?
Há zonas onde podem estar a salvo. Tudo leva a crer que eles chegaram aos lagos e ficaram a aguardar que o caudal desça. Vamos colocar a pior das hipóteses: saem por onde entraram. A diferença é que enquanto por Coventosa é muito fácil, e saem pelo seu próprio pé, pelo Cueto têm de subir 600 metros com a corda.

Conhece-os?
Conhecemos dois deles, de vista, porque na Federação acabamos por nos conhecer todos

É espeleólogo de profissão?
Não existem espeleólogos profissionais, fazemos isto nas horas vagas e com o nosso dinheiro. Agora até estamos a dar um curso ao fim de semana, em que ensinamos técnicas de corda, entre as Serra de Aire e Candeeiros e a Arrábida. Sou arquiteto de formação, mas não exerço. Faço acesso por corda a torres eólicas. Deixei a arquitetura para trabalhar nisto, graças à minha experiência na espeleologia. Mas já fiz estudos relacionados com impacto ambiental, contagem de morcegos.

Como começou a fazer espeleologia?
Comecei há mais de dez anos. A espeleologia não é muito atrativa, estamos em sítios escuros. Mas é podermos estar em sítios onde ninguém está. Locais onde podemos dizer que ninguém esteve, aquela experiência da exploração que nunca ninguém fez.

O que trazem das grutas?
Fazemos estudos da topografia das grutas, que vamos publicando em estudos científicos de todo o tipo. Damos Apoio ao ICNF [Instituto de Conservação da Natureza e Floresta], contamos morcegos, uma espécie ameaçada, fazemos cartografia e geologia. Somos um pouco o médico de família das grutas. Sabemos um bocadinho de tudo para ajudar as diferentes ciências.

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