Serginho Groisman. O mais inteligente dos showmen brasileiros
Meio-dia em São Paulo. A temperatura passa dos 30 graus num início de primavera mais quente do que costume. Do rádio do táxi parado à porta dos estúdios da TV Globo ouvem-se as últimas da crise brasileira. Encostadas ao portão, 26 adolescentes sem preocupações meteorológicas ou políticas aguardam. Do tal táxi, sai a 27.ª.
"O que estamos aqui a fazer?", responde uma delas, indignada com a pergunta. "Estamos à espera do Luan, claro." Luan Santana, fenómeno do subgénero sertanejo universitário, a mais recente, mais metalizada e mais brega evolução do sertanejo de raiz, estilo musical arrastado, sofrido, com duas violas e duas vozes, filho ilegítimo do fado, é a principal atração da próxima edição do programa Altas Horas, que como o nome indica passa ao início da madrugada no gigante da comunicação TV Globo (em Portugal é transmitido aos sábados à noite no canal Globo Premium).
Faltam quatro horas para a gravação mas as fãs de Luan - as luanettes - já suspiram pela fugaz passagem do cantor num bólide direto para um camarim. Santana é a estrela do programa só no papel. Porque será o ex-jornalista, ex-professor universitário, ex-estudante de História e de Direito Serginho Groisman a dominar a cena. O Altas Horas é dele - por mais que ele, um democrata patológico, divida os holofotes com os convidados e, sobretudo, com o público.
O aquecimento
Antes do programa, o vestuário da audiência é investigado com minúcia: procuram-se logótipos de marcas. O crocodilo da Lacoste ou o jogador de polo da Ralph Lauren, mesmo mínimos, são imediatamente escondidos por fita adesiva. "Não é patrocinador, passa a fita...", diz o rigoroso funcionário. Perante a surpresa limita-se a dizer "Globo é Globo, meu filho...". O cenário, que parece uma daquelas caves nova-iorquinas de performances underground, já está cheio de alunos de Taubaté, Franca, Volta Redonda, Cianorte com cinco, seis, onze horas de viagens nas pernas. Sentem-se todos - incluindo os professores - em transe: 1) estão na Globo 2) vão ver o Serginho a poucos metros 3) o Fiuk, ator-cantor filho de Fábio Júnior, também lá está 4) Kéfera Buchmann, vlogger adolescente com ziliões de visualizações no YouTube, idem 5) e ainda há Luan Santana.
Serginho chegou à Globo às 11 da manhã, leu jornais, ultimou detalhes, almoçou, deu entrevistas. Mas é meia hora antes do início da gravação que, sem aviso, entra em palco. Quer ganhar o público logo no aquecimento.
"Como é pessoaaaaal", grita. E em meia hora dá um show de televisão que nunca o chegará a ser porque não é sequer gravado. Pergunta de onde vêm os estudantes, faz piada com os sotaques, pergunta-lhes o que almoçaram, de quanto tempo precisaram para lá chegar, insinua que não tiveram tempo para tomar banho, desafia dois ou três a cantar os hinos das suas cidades. Primeiro golpe desferido com sucesso: já desinibiu os garotos.
Ao apresentador, no entanto, não basta um auditório desinibido. Convenhamos que isso, no Brasil, nem é tão difícil: não há registo, em 500 anos de história, de alguma vez ter nascido um brasileiro tímido. Fosse em Portugal e mais de metade dos miúdos esconderia a cabeça atrás das costas do colega da frente para não ser entrevistado - no Brasil nem pensar, todos querem aparecer, a vergonha é um sentimento que nasceu e morreu na Europa.
O que interessa a Serginho são os dois golpes seguintes: primeiro, passá-los da desinibição à euforia e, depois, fazê-los sentirem-se protagonistas. Mata os dois coelhos de uma só cajadada: sugere à banda, cem por cento feminina e com um trio dianteiro de impecáveis vocalistas de cabeleira afro, os vibrantes I Got You (I Feel Good) e Twist & Shout; com a plateia em delírio, ainda lhe dá o poder de escolha. "Com qual acham que começamos?", pergunta à molecada.
Quando, minutos depois, já a gravar, Fiuk, Kéfera, Luan e o ator Otávio Müller entram em palco, ao som do escolhido I Got You (I Feel Good), de James Brown, para o tradicional abraço ao anfitrião, Serginho tem, como planeara ao pormenor, o público em ponto de rebuçado.
Luan Santana, que sobe imediatamente ao palco, surfa na onda. "Ai meu Deus, que vai dar um troço na Isabella" - diz uma das professoras de Taubaté sobre uma aluna sua sentada na primeira fila -"ela é a maior luanette do mundo". À distância não dá para distinguir Isabella das outras: deve ser uma das 10 ou 12 miúdas que choram no refrão. Com outros ídolos juvenis a seu lado, Serginho sabe que tem de equilibrar as coisas.
"E onde andam as fiukettes?" Dezenas de meninas gritam. "E os kélovers [fãs de Kéfera]?" Mais gritos. Otávio Müller, ator consagrado, quase avô, peso a mais e em guerra com a calvície, parece deslocado. O anfitrião percebe. "E os fãs do Otávio, cadê?" Os miúdos da plateia também percebem e gritam desalmadamente pelo ator. É oficial: Serginho já fez do público o protagonista.
Mas a bola não pode cair. Vem aí mais um ponto alto: a hora da sexóloga Laura Müller. O jovem público faz-lhe perguntas ingénuas, cómicas, embaraçosas. Os mais velhos, como Serginho e Otávio, divertem-se. Luan, Fiuk e Kéfera entram no ritmo do auditório - afinal, são da mesma idade deles.
Ordem no caos
Pelo meio, há uma falha aqui, um engano ali, algo sai do roteiro - mas o roteiro é esse: sair do roteiro. Serginho e os profissionais da TV Globo usam o improviso em seu proveito, exploram-no, toureiam-no.
Brasil e Globo são dois mundos que não vivem um sem o outro. E complementam-se: o primeiro é um caos tropical, a segunda é um oásis de ordem alpina no meio do caos tropical. Programas como o Altas Horas são a soma dos dois mundos: a descontração é profissional e o profissionalismo é descontraído. Brasileiro e da Globo, Serginho tem os dois lados.
Até ao fim, o apresentador ainda mostra uma conversa gravada com o casal Tarcísio Meira-Glória Menezes, lança um prodígio musical inglês, anuncia um número de circo, entrevista uma jovem que engravidou e junta Fiuk e Luan no palco. O programa mantém, desde a meia hora que o precedeu, um ritmo intenso. Também atrás das câmaras: o staff já começa a levantar a tenda do Altas Horas e a colocar a do Programa do Jô, que será gravado no mesmo cenário. No dia seguinte será a vez do Domingão do Faustão.
Já é noite escura em São Paulo. Enquanto o anfitrião dá os últimos dos seus proverbiais abraços aos convidados, lá fora as luanettes são agora muito mais do que 27. Mas foi Serginho Groisman, que nunca teve perfil para reunir batalhões de fãs, quem provou subtilmente ser o rei dos adolescentes. E o mais inteligente dos showmen brasileiros.