"Falta de energia." Esta é a frase que Teresa Santos e Isabel Rodrigues, educadoras de infância na Escola Básica D. Dinis, em Odivelas, mais vezes repetem para descrever o seu quotidiano. Teresa tem 63 anos, completa 64 em março; Isabel faz 62 em fevereiro. Ambas somam 40 anos de serviço. Mas nenhuma tem garantida a aposentação a curto prazo..Pertencem ao grupo que, de longe, entre toda a classe docente, mais tem vindo a envelhecer ao longo da última década. Um paradoxo, tendo em conta que é também aquele que acompanha as crianças mais novas da rede escolar. Aquelas que maior dependência têm dos adultos e que, por isso, maior esforço - físico e mental - exigem deles..Em 2007, de acordo com dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e da Ciência (DGEEC), apenas 13,1% dos educadores das escolas públicas tinham mais de 50 anos. Em 2017, já eram 48,8%. A idade média dos educadores é de 52 anos. Teresa e Isabel estão uma década à frente. Por razões variadas. Algumas relacionadas com os seus percursos profissionais e académicos. A maioria decorrentes das sucessivas alterações à idade da reforma dos professores que as obrigaram sempre - por vezes, por uma questão de meses - a manter o contador em funcionamento..Gostam da profissão que escolheram. E garantem que dão todos os dias o melhor delas próprias para corresponderem às necessidades dos seus alunos. Dão-se bem com os alunos e com os pais. Mas assumem que este é um objetivo cada vez mais difícil de concretizar. E que não deixa margem para muito mais.."Há muitas coisas que eu deixo de fazer para conseguir focar-me nas exigências das crianças e nas respostas das crianças", conta Isabel. "Mas essa opção custa-me todas as energias de que disponho. Quando chego a casa já não consigo fazer mais nada. Não consigo concentrar-me a ler, não me consigo concentrar nem nos meus interesses. Esgoto todas as minhas energias para não falhar com os alunos."."Muitas vezes tenho de dizer aos meus alunos: "Meus amigos, tenho de sair só um bocadinho [da sala] porque já não consigo estar aqui", admite Teresa. "Trabalhar com crianças destas idades exige muita coisa. Agilidade. Um aluno que me pede para lhe apertar os sapatos e já não consigo baixar-me. Muitas vezes, o barulho normal, para nós, é insuportável. São crianças. Elas brincam. Mas há dias em que é complicado. Preciso de ir a casa na interrupção de almoço porque aquela hora, hora e meia, sento-me no sofá cinco minutos, descanso. Mas depois o retomar é muito complicado.".Uma das razões para o acelerado envelhecimento dos educadores de infância é a demografia: com menos crianças a nascer, e a idade de aposentação a aumentar, há pouca margem para renovar a classe. A outra, explica ao DN Luís Alberto Ribeiro, presidente da Associação de Profissionais de Educação de Infância (APEI), tem que ver com o facto de a oferta escolar ao nível dos jardins-de-infância se ter desenvolvido mais tarde no país. "A rede pública é muito recente em Portugal, começou a construir-se no início dos anos 1980. Por isso é que somos a população mais idosa entre os docentes. Poucos chegaram à idade da aposentação. E como a lei mudou a idade da reforma dos 55 para os 66 anos, praticamente todos os educadores que foram formados no início dos anos 1980 ainda vão continuar no ativo nos próximos anos.".Teresa e Isabel estão no lote restrito que entrou no sistema mais cedo. A primeira começou a trabalhar em escolas logo em 1974, pouco depois do 25 de Abril, vindo depois a formar-se no estrangeiro. Mas isso não as impede de terem também alguns anos de serviço pela frente. Quantos, dependerá da evolução do fator de sustentabilidade na idade da reforma..A questão é até quando se pode esperar que um profissional desgastado consiga gerir grupos até às 25 crianças, com idades que podem variar entre os 3 e os 5 anos, sem que alguma coisa se perca nesse processo. "É muito comum os educadores, as educadoras, referirem que as crianças são mais barulhentas do que eram há 30 anos. Eu não acredito nisso. Sentem é mais o barulho. Há 30 anos, tinham outras idades", diz Luís Alberto Ribeiro, que, através da atividade da associação, assume notar "algum desinvestimento" dos educadores mais velhos.."Promovemos todos os anos um conjunto muito significativo de encontros" - neste fim de semana decorreu um encontro nacional, em Viana do Castelo - "e sentimos muito a ausência desses educadores com mais anos. A maior parte dos educadores que temos presentes não têm 50 e tal, 60 anos. São muito mais novos. Isto indica também algum desinvestimento da parte deles", considera..As nossas educadoras sexagenárias não se reveem nesse grupo. Isabel garante que nunca deixou de "fazer formação" e de se ir atualizando, nomeadamente após a entrada em vigor de um novo quadro orientador para o pré-escolar. "Esse nunca foi o problema, até porque muitas das coisas que são agora recomendadas já estavam enraizadas nas nossas práticas", concorda Teresa..Mas ambas admitem também que, nas retas finais das carreiras profissionais, poderiam ser mais úteis noutras tarefas, nomeadamente acompanhando colegas mais novos e ajudando a integrá-los com a experiência acumulada. "Poderíamos estar a fazer outras coisas, os miúdos não têm culpa", assume Teresa. "São os únicos que não têm culpa", completa Isabel. "E é por eles que nós fazemos esse esforço. Mas é sobre-humano. É desumano até."