Mais dourados que o próprio ouro, os vinhos da casta Chardonnay têm alumiado as almas vinhateiras de todo o planeta, chegando no Novo Mundo a ser sinónimo simples de vinho branco. No Velho Mundo, produz os mais gloriosos clássicos nas míticas vinhas velhas da Borgonha e é de uma flexibilidade extraordinária quanto a estilo e convívio com outras castas em vinhos de autor. Estigmatizá-la apenas como casta estrangeira é incompreensível e não tem qualquer fundamento, uma vez que é fruto e produto de um terroir - solo e clima - e, portanto bem portuguesa. Nas mãos de António Saramago, a Chardonnay ganha ainda uma outra dimensão e na prova deixa-me normalmente sem palavras. É exatamente assim que costumo descrever os seus muitos Chardonnays e não há confusão possível com os outros. Tento substanciar com o trabalho fundador feito na Tapada de Coelheiros (Alentejo), a pedido e ao lado de Joaquim Silveira, hoje já desaparecido. Quando os vinhos brancos primam quase todos pela fruta primária que oferecem, com muita frescura e orientação para a bebida-refresco, os de António Saramago nascem com a vocação da grande mesa. É uma grande instrução a prova cega de vinhos estremes da casta de que falamos, para ver que rapidamente se singularizam os do nosso visado de hoje..Acontece o mesmo fenómeno com uma casta tinta que António Saramago sempre chegou ao peito: a Castelão. Está no ADN do vinho português de sempre e entrou no de Saramago há mais de cinco décadas, no início do seu trabalho enquanto técnico da José Maria da Fonseca, em Azeitão e pelo país vinhateiro fora. Oportunidade para conhecer a fundo o comportamento em solos de areia, argilo-calcários, os primeiros a emprestar menos acidez mas mais "raça", os segundos a investir toda a frescura e carácter que é possível obter. O eternamente jovem enólogo de Azeitão sabe exatamente onde estão as vinhas que dão as melhores uvas Castelão para o estilo que só ele sabe trabalhar. E aqui está outra assinatura enológica inconfundível do Grande mestre; os castelões da sua lavra são balsâmicos, pouco extrativos e de enorme elegância. Nada a ver com a rusticidade com que injustamente se reputou o Castelão, quase se tornando na casta que os produtores adoravam odiar. Felizmente, e graças a visionários como António Saramago, ainda há vinhas velhas de Castelão de grande talante; as tais que só o grande criador de vinhos conhece. Da sua destreza e génio no domínio dos moscatéis de Setúbal também hei-de um dia aqui falar. Importante desde já é dizer que toda a família nuclear de António Saramago respira e vive o vinho com quase a mesma intensidade. O filho António é enólogo formado pelo Instituto Superior de Agronomia, trabalha com o pai na AS Vinhos e a sua irreverência, associada ao conhecimento técnico, tem trazido algumas glórias inéditas no mercado. O outro filho, Nuno, é farmacêutico de grande sucesso e conhece bem o ofício do pai. Finalmente, Ausenda, a "mãe de todos", tem um envolvimento e dinâmica na empresa que é absolutamente único. Além disso, cozinha maravilhosamente e facilmente nos deixamos ficar sentados à mesa dos Saramagos pela tarde fora, vinhos e petiscos não faltam jamais, e a alegria contagiante cativa-nos para sempre..Felizmente para nós, humanos, o galáctico António Saramago acaba de colocar no mercado dois belíssimos demonstradores do que atrás disse. São eles o António Saramago Chardonnay branco 2017 (14%), que para o produtor está no zénite do rendimento de sabor e mineralidade, ao mesmo tempo que prevê um futuro em cave de pelo menos dez anos o que é notável. Eu vejo particular bondade na articulação de um chardonnay evoluído com pão de ló e este não escapou ao escrutínio, passando com distinção. Mas no caso é de lhe chegar um bom bacalhau à lagareiro, ou mesmo o maravilhoso coelho à caçador - sim! - que a Ausenda executa primorosamente. O outro vinho que destaco é o António Saramago Superior tinto 2013 (15%), um 100% castelão de uma vinha de solos calcários que só o mestre conhece. Estagiou18 meses em barricas novas de carvalho francês tem pelo menos 20 anos pela frente de jovialidade e carácter Saramago inconfundível. Um lombo de porco assado faz-lhe boa justiça e é fundamental servi-lo a não mais de 16ºC, com decantação. Saravá, grande António Saramago!.Tanto o Chardonnay como o Superior são distribuídos pela Vinalda e estão disponível nas principais garrafeiras especializadas, PVP 30 euros.