A cimeira de Luanda deu luz verde à aposta no pilar económico da CPLP. A Confederação Empresarial da CPLP está satisfeita? Depois de muitos anos, começamos a ver uma luz no fundo do túnel do que é a grande ambição da Confederação Empresarial da CPLP. Na cimeira de Timor-Leste, em 2014, onde vimos o nosso trabalho reconhecido, reunimos com o então primeiro-ministro Xanana Gusmão e já aí indicámos que queríamos apostar no quarto pilar, virado para questões económicas. Ele mostrou-se bastante recetivo e prontificou-se logo a organizar uma conferência económica e empresarial. E assim foi, não nos melhores moldes, mas ainda assim importante. Já nessa altura começámos a batalhar naquilo que seriam os condimentos necessários para o pilar económico, para no futuro tornarmo-nos num bloco económico que permitisse que a CPLP explorasse os seus recursos..E quais eram esses condimentos? Nesta altura já se falava na questão da mobilidade, agora aprovada. Não haver livre circulação de pessoas e, numa fase seguinte, de bens e capitais, é um impeditivo para melhorar o ambiente dentro da comunidade como um todo. Foi o que começámos por debater, as pessoas ainda estavam pouco recetivas, não percebiam o que nós queríamos, mas água mole em pedra dura tanto bate até que fura. Outra questão importante era uma ferramenta que também foi anunciada pela presidência angolana: o banco de investimento. Algo que também já tínhamos apresentado na presidência timorense, depois de uma primeira conferência que fizemos, em Portugal, de bancos, instituições financeiras e seguradoras. Levou o seu tempo, mas antes do final do mandato de Timor-Leste recebemos uma missiva positiva e a partir daí começámos a fazer trabalho de bastidores. Qual não foi a nossa satisfação e espanto ver nesta cimeira o presidente de Angola anunciar publicamente esta ideia! Para nós foi o êxtase. Significa que todo este empenho na mobilidade, no pilar económico, no banco do fomento, foi ouvido e já tem aceitação política formal..Então desde 2014 e da presidência timorense as coisas têm acontecido nos bastidores. Não tinha havido outra presidência com tanto empenho no pilar económico como a de Angola? Exato. Angola mostrou um grande foco no pilar económico da cooperação empresarial. É de facto o primeiro governo da CPLP que está perfeitamente alinhado com o que tem sido a agenda da Confederação. Mas não posso menosprezar a presidência de Timor-Leste, que demonstrou o interesse inicial. A presidência do Brasil, na nossa opinião, foi mais fraquinha nesta área, foi muito centrada nas questões tradicionais, linguísticas e culturais. A presidência de Cabo Verde, embora não tenha dado um ímpeto direto na questão do pilar económico, teve um papel importante nas propostas saídas da carta de Maputo, da primeira conferência económica que a Confederação organizou, em maio de 2018. Uma das recomendações era sobre a mobilidade e Cabo Verde trabalhou nesse tema, entregando agora a questão resolvida do ponto de vista político a Angola..Há muita expectativa em relação à mobilidade e ao que significa... A decisão foi tomada a nível político e há muita expectativa dos povos, das populações. Temos estado a receber várias menagens de satisfação, mas eu digo: calma. Eles pensam que já a partir de amanhã podem viajar para qualquer país e não é assim. Ainda há trabalho técnico a ser feito a nível dos Estados, mas já estivemos mais longe e acredito que com esta concertação já estamos mais perto de nos transformarmos de facto numa comunidade de cooperação económica e de nos tornarmos cidadãos muito importantes no planeta Terra..A Confederação Económica esteve na cimeira de Luanda. Foram convidados? Organizámos a nossa cimeira de negócios em Malabo, em maio. Na cimeira dos chefes de Estado e de Governo, onde normalmente apresentamos o relatório de atividades, desta vez não fomos convidados..Dado a aposta no pilar económico isso não é estranho? Há muitos rumores e não os posso alimentar. O nosso trabalho, como órgão consultivo, foi feito, com muita persistência e vamos continuar a colaborar. O que nos importa são os resultados. Espero que agora possamos mostrar a nossa disponibilidade de cooperar com a agenda de Angola. Sem o alinhamento do setor político da CPLP com o setor empresarial as coisas ficam coxas. É preciso haver uma abertura. E a Confederação Empresarial tem estado muito empenhada, abriu-se muito não só ao mundo associativo, mas aos empresários, que têm um conhecimento profundo da realidade. São eles que trazem o input para que esta possa ser uma comunidade de que todos nós nos orgulhemos, de povos e de empresários, e não só uma comunidade de elites políticas que depois só fazem para inglês ver e não toca a todos. Nós, como empresários, queremos que os políticos abram as autoestradas e nós faremos o resto, a nossa parte, de desenvolvimento económico, trocas comerciais, transferência de tecnologia, geração de emprego....A ideia do banco de fomento. Qual é a vossa visão? Propomos que seja, de preferência, um banco de capitais mistos, públicos e privados. No nosso entender, muitos bancos de desenvolvimento só com capitais públicos não tiveram sucesso por causa da interferência política. Com capitais mistos a governança será diferente, muito profissional e transversal, como qualquer banco, e terá melhores condições de sucesso e de apoio aos projetos. Nos PALOP há muitos recursos, muita energia jovem, mas não há a capacidade tecnológica e financeira que precisamos para alavancar o emprego e ter melhor standard de vida, reduzir o índice de criminalidade, melhorar a saúde pública... É isto que temos que pensar, numa forma holística, para trazer melhor qualidade de vida e uma cidadania lusófona de qualidade, em que o cidadão lusófono passa a ter orgulho de si próprio. Querermos promover a cooperação económica para trazer também o bem estar e o elevar da qualidade de vida..A percentagem de trocas comerciais entre os países da CPLP é baixa. O que diz a quem critica esta aposta no pilar económico e pensa que talvez não mereça a pena? Todos têm o direito de pensar, mas nós temos o direito de sonhar. Eu como empresário, vindo do nada, sonhei, batalhei e cheguei onde pude chegar, com a graça de Deus e muito trabalho. Eu sonho um dia ter uma comunidade próspera, com um fator económico e empresarial maduro. Hoje, separados, sem organização, temos estado a crescer as trocas comerciais de forma, digamos, muito acanhadamente. Mas se fôssemos um país seríamos a sexta maior economia do mundo. Agora imagine com os recursos que nós temos, com políticas bem desenhadas, com boas lideranças políticas, o que podemos ser neste planeta. E pergunto: quantos países pediram para serem observadores da CPLP a partir do momento em que começámos a falar do pilar económico e a levantar o véu do que é o potencial da CPLP? Será que foram atraídos pela questão cultural, pela língua, por gostarem de nós, ou é por termos levantado o véu e mostrado o que nós podemos ser?.E qual vai ser o próximo passo da Confederação Económica? A minha equipa traçou as metas. Estamos satisfeitos de ter visto as coisas chegar a este ponto, da mobilidade aceite, do banco de investimento. Queremos agora continuar para que haja livre circulação de bens e depois de capitais. É como uma família numa casa. Se eu tiver que sair da cozinha para o quarto e tiver que ter um processo burocrático, não me sinto em casa, não faço as minhas tarefas condignamente. É um pouco isso. Penso que estamos alinhados. O setor privado é mais veloz, tem mais flexibilidade, os Estados são mais morosos, têm outras burocracias, mas é preciso ser persistente. E acho que a nossa persistência teve grandes ganhos. A persistência, no meu ver, é o único combustível para as obras acontecerem..susana.f.salvador@dn.pt