Sem golos nem novos talentos, Itália arrisca falhar o Mundial
"No nosso imaginário coletivo, um Campeonato do Mundo de futebol sem a Itália parece mais improvável do que [a hipótese de] uma nave espacial vinda de Saturno aterrar na Praça de São Pedro". Sem sinais de ET"s saturnianos no coração de Roma (e do Vaticano), a escala de improbabilidades apresentada pelo jornalista Fabio Licari na Gazzetta dello Sport está prestes a alterar-se: para choque dos adeptos italianos, uma seleção transalpina em crise - sem golos nem novos talentos - está em sério risco de falhar o Mundial, pela primeira vez em 60 anos.
A derrota de anteontem - 1-0, na Suécia, na 1.ª mão do play-off europeu de qualificação para o Rússia 2018 - foi o último sinal de alarme. A Itália, que não falta a um Mundial desde o Suécia 1958 e não fica fora de uma grande competição desde o Euro 1992 (também realizado naquele país nórdico...), arrisca ser o maior ausente do Campeonato do Mundo do próximo ano. Para evitá-lo, terá de conseguir uma reviravolta histórica, amanhã, no estádio de San Siro (Milão).
Nenhuma seleção europeia conseguiu dar a volta uma derrota fora de casa, por 1-0, na 1.ª mão de play-offs de apuramento para Mundiais. Tentaram-no Holanda (1985, vs. Bélgica), República Checa (2001, vs. Bélgica), Bósnia-Herzegovina (2009, vs. Portugal) e Suécia (2013, vs. Portugal) e todas falharam. A estatística alimenta o desânimo dos adeptos italianos: 74% dos mais de 20 mil participantes num inquérito no site da Gazzetta dello Sport não acreditam no apuramento da seleção para o Campeonato do Mundo. Mas Vasco Faísca - talvez o português que melhor conhece o calcio - ainda crê na redenção da squadra azzurra.
"Os dados históricos não jogam a favor, mas estou convencido de que a Itália vai passar o play-off. E espero que o consiga, porque a sua ausência do Mundial, com tudo o que representa, era má para o futebol... e porque um bocadinho do meu coração é azurro", diz, ao DN, o antigo futebolista, que jogou no campeonato transalpino entre 2000 e 2017 (com curtas passagens por Portugal e pela Grécia, pelo meio).
Ainda assim, a hipótese de um Campeonato do Mundo sem a Itália - seleção quatro vezes campeã mundial (1934, 1938, 1982 e 2006) e que apenas falhou as edições de 1930 e 1958 - é bem real. Vasco Faísca admite que "o futebol italiano já teve melhores dias" e conhece bem as razões dessa conjuntura: azar, erros de gestão e uma crise de vocações na squadra azurra - que se reflete na falta de golos e no facto de, aos 39 anos, o guarda-redes Gianluigi Buffon ainda a ser a maior referência da equipa.
"O principal motivo é o azar: calhar no grupo da Espanha, uma das três melhores equipas do mundo, complicou a vida da Itália, que assim teve de jogar o play-off com a Suécia", recorda o ex-central. Isso custou duas derrotas nesta fase de apuramento - como os transalpinos não sofriam desde a qualificação (falhada) para o Mundial 1958.
A isto soma-se "a aposta arriscada" da direção da federação italiana na escolha de GianPiero Ventura para suceder a Antonio Conte. Ventura - o principal visado pelas críticas nos media italianos, após a derrota na Suécia - "chegou a selecionador sem ter treinado um grande; é bom a nível tático mas não tem estatuto para gerir estes jogadores", nota Vasco Faísca, vendo na escolha do técnico foi "um dos maiores erros da federação, junto com as falhas na formação".
Ora, a escassez de novos talentos é o terceiro vértice do triângulo da crise do futebol transalpino. "Há jogadores que claramente não estão ao nível do que a Itália nos habituou. Antes havia uma escola incrível de grandes avançados, que agora deixaram de aparecer", descreve Vasco Faísca (que agora treina os juniores do Vianense). E a falta de golos fez-se sentir: foram três nos últimos cinco jogos, com a torneira a fechar-se por completo na visita à Suécia.
Após a derrota em Solna (arredores de Estocolmo), com uma exibição cinzenta e algum azar à mistura (a bola ressaltou em de Rossi no golo de Johansson) Ventura queixou-se da arbitragem. E isso indignou ainda mais os italianos. "Os jogadores precisam de dar mais. É redutor atacar apenas o árbitro", reagiu Pirlo, ex-internacional, que anunciou esta semana o adeus aos relvados. Agora, os antigos colegas de Pirlo têm 90 minutos (e, eventualmente, prolongamento e penáltis) para tentar evitar que o improvável aconteça: que, mesmo sem saturnianos a aterrar na Praça de São Pedro, a Itália fique fora de um Mundial de futebol.