Excesso de velocidade, álcool e condução perigosa - como o uso de telemóvel ao volante. Estas foram as contraordenações graves que 2589 condutores cometeram em 2018 e aos quais foi dada a hipótese de frequentarem uma ação de formação para não entregarem a carta de condução. Menos de metade optou por uma destas hipóteses, mas 1342 condutores não fizeram uma coisa nem outra. A Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) não tem explicações para este número de condutores, que, na maioria dos casos, está em incumprimento, embora alguns também possam estar a aguardar que seja marcada a data da formação. Conforme o DN apurou, serão apenas 44 os condutores que cometeram infrações graves em 2018 e que estão à espera de que seja marcada a ação de formação, a cargo da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), que forneceu os dados referentes ao ano passado. Também o número de ações de formação tem vindo a descer, sem que a PRP ou a ANSR consigam explicar o motivo. Se em 2013 eram 11 095 os inscritos em ações de formação, este número caiu para os 1605 em 2016 e em 2017 apenas 341 pessoas optaram pela inscrição no curso que lhes dá a hipótese de não perder a carta temporariamente. No ano passado, só 1027 condutores escolheram frequentar a ação de formação. Uma quebra que Anabela Almeida, coordenadora da PRP, confessa ter dificuldade em entender. "Os autos de contraordenações graves são na ordem dos 200 mil por ano [de acordo com o Relatório Anual de Segurança Interna, no período de 2017-2018 foram 206 759], e termos apenas pouco mais de mil inscritos parece-me muito pouco, se compararmos com outros anos. Claro que esta é uma decisão administrativa - da ANSR - e há condutores que impugnam a decisão e o processo segue para os tribunais, o que leva algum tempo... mas nada explica esta diminuição tão acentuada." A ANSR não avança qualquer explicação, apenas ressalva que "a frequência da ação de formação, como alternativa à inibição de conduzir, é facultativa, cabendo aos infratores suportar os custos inerentes a tal frequência, questão que também pode pesar na opção tomada", lê-se na resposta enviada ao DN, em que é descrito que, "tendo como base as decisões condenatórias proferidas em 2018, 30 por cento dos infratores frequentaram a ação de formação (788), 16 por cento entregaram o título de condução para cumprimento da inibição (415) e 54 por cento (1386) estão a aguardar a frequência da ação de formação ou já estão em incumprimento". Compete à ANSR participar ao Ministério Público os condutores que ao não terem frequentado o curso ou entregado a carta estão a cometer um crime de desobediência. Apesar da insistência do DN, a Segurança Rodoviária não conseguiu dizer quantos estariam em incumprimento - a conduzir, com título de condução, mesmo existindo uma ordem para que este seja suspenso. Por isso, fizemos as contas: de um universo de 1386 condutores aos quais a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária desconhece a situação atual - e, tendo em conta os 44 que estão a aguardar que seja agendada a formação (dados da PRP), existem 1342 condutores que poderão estar a aproveitar esta ausência de cruzamento de dados e de informação. No ano passado, as autoridades detetaram 9529 pessoas a conduzir sem carta de condução - mais 224 condutores do que no ano anterior, segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI)..Perda de tempo e castigo.As ações de formação estão previstas no artigo 148.º do Código da Estrada desde 2002, e são uma alternativa à entrega do título de condução quando o condutor comete a segunda contraordenação grave - a formação não está prevista para contraordenações muito graves. Têm a duração de 12 horas - divididas por dois sábados - e acontecem nas capitais de distrito. O custo - de 175 euros - é suportado pelo condutor, que terá sempre de pagar a coima associada à contraordenação. De acordo com dados da Prevenção Rodoviária Portuguesa, há mais inscritos nos módulos relativos à velocidade e a outras infrações, como a utilização do telemóvel durante a condução. As contraordenações relacionadas com condução sob influência do álcool são as que têm menor número de inscritos. Anabela Almeida reconhece que os condutores chegam às formações com uma atitude de resistência e com a ideia de que é "uma perda de tempo e um castigo". "Chegam à sala e dizem: estou aqui mas eu não vou mudar", conta a coordenadora da PRP. Não existe nenhum estudo em Portugal que tenha avaliado o grau de reincidência dos condutores após terem frequentado as ações de formação, mas a responsável afirma que "a maioria das pessoas sai satisfeita e com a perceção de que como pessoa valeu a pena frequentar".."Ninguém infringe a lei por desconhecimento." Mas há mitos.Anabela Almeida, coordenadora das ações de formação da Prevenção Rodoviária Portuguesa, dirigidas aos condutores que cometeram contraordenações graves, tem uma certeza, depois de ter assistido a dezenas de aulas e de se ter cruzado com centenas de condutores: "Ninguém infringe a lei por desconhecimento", diz. O que ainda persistem são os mitos - em relação ao consumo de álcool - "estou perto de casa, não me vai acontecer nada" - e mesmo em relação ao tempo de reação que cada um de nós é capaz de ter. "Temos vários simuladores - testamos o tempo de reação conforme as circunstâncias, com piso seco, com piso molhado, etc...", explica. As aulas são dadas por psicólogos que receberam formação em segurança rodoviária e têm um tronco comum - sobre comportamentos preventivos na condução - e um outro tronco individual, relacionado com a infração cometida. O desafio é serem compreendidas por todos os condutores. "Temos um público muito heterogéneo - de diferentes idades, estrutura académica, do interior e de grandes cidades. Os módulos têm de ser apreendidos por todos, apesar das suas características."